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Foto do escritorKatiane Bispo

A violência política no Brasil

Atualizado: 23 de abr. de 2023

O cenário está posto. As cortinas se abrem para o “espetáculo da democracia” anunciado e esperado com certa ansiedade por muitos e pelos mais variados motivos. Os expectadores, somados são mais de 217 milhões, nascidos de uma pátria mãe nem sempre tão gentil para muitos: o Brasil.



Na bagagem histórica, 21 anos de uma ditadura militar que deixou milhares de mortos (muitos com destino desconhecido sobre seus restos mortais), inúmeras sequelas socioeconômicas, o controle dos meios de comunicação de massa nas mãos de poucos, o patrimonialismo enraizado e a herança de um Brasil agrário e pouco industrializado.


Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Foto Brasil Escola

Mesmo com uma herança perversa como essa, ao que parece a máxima de que os “brasileiros têm memória curta” pode ser real, para o nosso completo desespero. Ou qual seria a justificativa da atual tara pelo coturno e farda que ainda assombra a nossa juvenil e desgastada República, mesmo após 37 anos deste bárbaro episódio da nossa história recente? Não é uma resposta tão simples de se dar, mas precisamos entender o porquê chegamos até aqui.


No palco, os mesmos figurões de outrora, que sabem se beneficiar do poder público e conhecem de perto todas engrenagens do cenário político. Neste jogo de poder, de um lado no tabuleiro, as oligarquias brasileiras lideradas em sua esmagadora maioria por: homens, brancos, de meia idade, heterossexuais e proprietários. De outro, milhões de brasileiros de grupos minoritários, lutando pela sobrevivência e direito a itens elementares para manutenção da sua dignidade, o que parece ser considerado como um artigo de luxo em um país armado, violento e de uma religiosidade cristã conservadora e fundamentalista.


O nascimento da extrema-direita no Brasil


Em tempos de ânimos acirrados num país dividido como o nosso, não diferente dos demais cursos históricos da humanidade, abriu-se uma brecha para o surgimento de um perfil de "salvador". O Brasil vivia uma crise institucional antes mesmo do processo de impedimento da ex-presidenta Dilma Roussef, com inúmeros escândalos de corrupção e com uma cobertura midiática desabonada e com pouco, ou nenhum, profissionalismo. Uma caça às bruxas realizada contra o o Partido dos Trabalhadores (PT) foi iniciada criando assim o cenário perfeito para a eleição, no ano de 2018, do atual presidente Jair Messias Bolsonaro, que tenta aos trancos, barracos, ofensas e fake news a sua reeleição.


A velha política brasileira resiste nestas eleições. Foto: Reprodução

As artimanhas usadas por Jair Bolsonaro não são novas no campo da política partidária, em verdade, são mais velhas até do que seus anos de vida pública. O atual presidente faz uso da infame “velha política” do qual é filho. Soube em toda a sua carreira política se beneficiar dos lapsos da democracia, a qual ele mesmo não tem muito apreço. Se usa muito bem do descarado “toma lá dá cá” com a poderosa indústria armamentista e providencia regularmente os “pacotes de bondades” aos militares, sua dívida eleitoral com os grandes apoiadores durante todos os seus mandatos, antes mesmo do pleito de presidente e com promessas polpudas para a classe, diferente dos planos aos civis que compõe a maior parte da população brasileira, a qual mergulha hoje em um cenário de fome, com cerca de 33 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar ou fome.


Jair Bolsonaro (1991). Reprodução: Estadão

O atual presidente Jair Bolsonaro, e parte da sua base de eleitores mais fanáticos, seguem com devoção a cartilha da violência política sob a justificativa de “defender o Brasil dos comunistas". E para este eleitorado, é classificado comunista todos os discordem dos seus discursos homofóbicos, xenofóbicos, anti-indigenistas, misóginos e racistas.


O bolsonarismo usa a receita do personalismo político, que advém da criação de um personagem que cative e arraste multidões, não apenas pelo seu carisma, mas também como uma figura que pode salvar alguma causa ou mesmo a Nação de algum inimigo invisível e externo, além do uso de frases que sejam rasas e clichês e que possam ser amplamente reproduzidas. Foi assim que nasceu o populismo de extrema-direita de Bolsonaro, copiado e colado do Macarthismo nos anos 1950 nos Estados Unidos.


Presidente Jair Bolsonaro é favorito nas intenções de voto no eleitorado evangélico. Reprodução: Portal ESPM

A narrativa também se ancora no manto da “santidade” das igrejas (neo)pentecostais com o apelo de que a esquerda é totalitária, contra a família e a religião cristã. Esse chamado gera em alguns dos seus eleitorado a paixão para se juntar ao “exército dos salvadores da pátria e de Deus”. Não é à toa que muitos fazem uso da camisas da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em manifestações em apoio a Bolsonaro. O sentimento de exacerbado (e falso) nacionalismo, típico de movimentos da extrema-direita em todo o mundo, é aflorado sob o pretexto de que o Brasil sofre uma ameaça comunista e que Jair Bolsonaro é na verdade uma figura mítica que salvará o país “deles”.


Aumento da violência política e eleitoral


A violência política pode ocorrer de forma aberta ou velada, para atingir finalidades específicas, segundo informa o Relatório de Violência Política e Eleitoral da Rede de Justiça Global. É utilizada para deslegitimar, causar danos, obter e manter benefícios e vantagens ou violar direitos com fins políticos. Desse modo, a violência política afeta a própria democracia. CÉ descrito no relatório:

(...) Longe de serem situações episódicas ou isoladas, o contexto de polarização política brasileira e a realidade de conflitos de interesse no âmbito federal, estadual e municipal têm feito da violência uma ocorrência relativamente regular. A violência passa a integrar a moldura de gestão dos conflitos políticos, tornando-se parte da rotina de gestão e administração das cidades brasileiras, o que se verifica no expressivo número de assassinatos e atentados (...)

Jair Bolsonaro (1991). Reprodução: Estadão

Quando se fala de representação, figuras públicas têm grande responsabilidade em sua apresentação e discurso, são por essência formadores de opinião e portanto suas atitudes impulsionam grande apelo aos seus fãs ou eleitorado, como é o caso de Bolsonaro.

Os atores políticos por terem grade visibilidade e influência faz com que seus discursos sejam rápida e massivamente disseminados, como conta-nos Kaetlyn Ferreira, Patrícia Koefender e Elisangela Mortari:

“Este cenário exige que os discursos sejam construídos de modo a propagar as mensagens pretendidas pelo ator político, promovendo clareza e entendimento das mesmas por parte dos públicos.”

Mas se o amor pelo coturno de Bolsonaro é grande, a sua capacidade de argumentação sem nenhuma ofensa a qualquer pessoa que o contrarie em seus inúmeros preconceitos não é. Algumas das ofensas proferidas por ele ao atacar as repórteres (principalmente mulheres) nas suas raras coletivas de imprensa ou entrevistas que fornece aos veículos de imprensa ganha notoriedade, além da facilidade com que se sente à vontade para fazê-las :

“Estou sem máscara em Guaratinguetá, tá feliz agora? Essa Globo é uma merda de imprensa. Vocês são uma porcaria de imprensa. Cala a boca. Vocês são uns canalhas. Vocês fazem um jornalismo canalha, canalha, que não ajuda em nada. Vocês não ajudam em nada, vocês destroem a família brasileira, destroem a religião brasileira, vocês não prestam. A Rede Globo não presta, é um péssimo órgão de informação”

Em outro momento, Bolsonaro atacou a jornalista Amanda Klein citando a vida conjugal da jornalista ao ser questionado:

"Amanda, você é casada com uma pessoa que vota em mim. Não sei como é o teu convívio com ele na sua casa"

Outra vítima de Bolsonaro foi a jornalista Patrícia Campos Mello, vítima de ataque de cunho sexual em fevereiro de 2020, quando fez uma correlação de duplo sentido na matéria da jornalista:

“(...) queria dar o furo a qualquer preço contra mim”

No mês de junho, Patrícia Campos Mello venceu o processo contra Bolsonaro na 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) mantendo a condenação do presidente por ofensa e insinuação de cunho sexual contra a jornalista.


Na imagem, apoiador de Bolsonaro faz alusão à ofensa a jornalista Patrícia Campos Mello. Reprodução Twitter.
A Jornalista Vera Magalhães manifesta apoio a colega que assim como ela e a jornalista Miriam Leitão já foi alvo de violência de Bolsonaro e seus apoiadores. Reprodução: Twitter


O “messias” e a guerra contra o “mal comunista”


Além dos ataques de Bolsonaro a jornalistas, antes mesmo do início da campanha eleitoral foram registrados ataques realizados por bolsonaristas contra pessoas que se manifestavam abertamente em apoio ao presidenciável Luís Inácio Lula da Silva.


Marcelo Arruda, dirigente do PT morto por bolsonarista em Foz de Iguaçu/PR. Reprodução: Arquivo Pessoal

Uma das vítimas fatais, em julho desde ano, foi Marcelo Arruda, morto em Foz do Iguaçu (PR) durante a própria festa de aniversário de 50 anos com o tema do Partido dos Trabalhadores (PT) e segundo Polícia Civil, atirador fazia parte da diretoria da associação onde a celebração era realizada.


Em outro caso de violência política, desta vez o cenário foi na Congregação Cristã no Brasil de Vila Finsocial, em Goiânia, onde Davi Augusto de Souza, 40, foi atingido na perna por um tiro disparado por Vitor da Silva Lopes, 38, um cabo da PM que estava armado durante o culto. Ambos eram amigos e frequentadores do templo. Davi precisou ser socorrido pelo SAMU e a causa da desavença que quase resultou na morte de Davi foi a discordância da família com o posicionamento da igreja recomendando "não votar em candidatos que não sejam tementes a Deus e se posicionem contra a instituição da Família". Além da violência em vias de fato, o posicionamento da Congregação é exatamente o mesmo da bancada religiosa majoritária e protestante que apoia, em sua esmagadora maioria, a reeleição de Bolsonaro.


No estado de Mato Grosso, estado que tem ampla maioria em Bolsonaro, no mês de setembro a violência política ceifou mais uma vida. O assassino é Rafael Silva de Oliveira, 24, que matou com golpes de faca e machado o ex-colega de trabalho Benedito Cardoso dos Santos, 42, segundo laudo da Polícia Científica. A informação foi repassada pelo delegado Victor Oliveira. A motivação do crime foi uma discussão política e Rafael defendia a reeleição de Jair Bolsonaro, enquanto a vítima apoiava o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT). Os dois trabalhavam juntos no corte de lenha em uma propriedade rural de Confresa, a 1.160 km de Cuiabá, capital do estado.


Acima da lei e contra o STF


Outro episódio protagonizado por um dos apoiadores de Bolsonaro, foi a operação de guerra deste domingo (23) na casa de Roberto Jefferson em cumprimento ao mandato do ministro Alexandre de Moraes. Jefferson atirou em agentes da Polícia Federal e atirou duas granadas contra eles aos gritos de “Gestapo do Xandão”, em referência ao magistrado.


No sábado, Jefferson havia ofendido a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo após sua prisão e crente no poder que exerce e na impunidade como pano de fundo, em depoimento na audiência de custódia, o petebista disse que queria “pedir desculpas às prostitutas" ao compará-las a ministra e reiterou mais uma vez a ofensa a magistrada.


Contra a opressão convido a ação e a reflexão

A democracia é a representação máxima dos direitos políticos que nos compete e nos são assegurados pela Constituição Federal de 1988, a nossa Carta Magna, uma conquista após os anos de silêncio e violência que vivemos durante a ditadura militar de vivemos.


Pessoas que usam de violência para intimidar quem pensa diferente se favorecem de um artificio totalitário e impositivo. Aqueles que pensam diferente, ao entoarem suas vozes contra este cenário não se curvam ao que está posto e imposto, mesmo com os riscos que isso signifique atualmente no Brasil, não apenas a sua integridade física, mas moral também.


Se você chegou até aqui na leitura deste artigo, lhe digo, ciente da bolha que me rodeia, mas certa de que falhamos como progressistas e do nosso trabalho de base, convido você a refletir sobre a situação lastimável em que vivemos no Brasil e a não se intimidar. Não se faz um futuro melhor sem arregaçar as mangas e construir pontes através do diálogo, mesmo com os diferentes mas que se mostrem dispostos a ouvir os pontos de divergência. Outro caminho fora disso não é democracia. E já dizia Hannah Arendt:

“Em nome de interesses pessoais, muitos abdicam do pensamento crítico, engolem abusos e sorriem para quem desprezam. Abdicar de pensar também é crime.”

Domingo é dia de exercer nosso direito político e prestigiar a democracia!


Texto escrito por Katiane Bispo


Katiane Bispo é formada em Relações Internacionais, especialista em Políticas Públicas e Projetos Sociais. É podcaster no “O Historiante”, colunista no jornal “Zero Águia”. Instagram: @uma_internacionalista.



 

BIBLIOGRAFIA


Revista Anagrana_Ano 5- Ed.2 - (USP). A construção do discurso político nas Relações Públicas (USP) - acessado em 18.out.2022







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