Em ano eleitoral alguns termos ganham mais destaque no cotidiano dos noticiários, como por exemplo TSE (Tribunal Superior Eleitora), urnas eletrônicas e voto secreto. Mas como foram as evoluções do nosso sistema eleitoral e do voto até chegarmos aqui, as eleições de 2022? Este artigo tem como objetivo explorar de forma mais extensiva o histórico das eleições brasileiras e a evolução do processo eleitoral durante a República.
A Primeira República e Vargas
Com a República e a constituição de 1891 definiu-se que o voto seria universal, sem censo econômico, mas que estariam excluídos os analfabetos, os mendigos e os praças militares. As mulheres não eram expressamente citadas na lei, então o direito ao voto era bastante discutível e acabava por ser impedido até pelo menos 1928. Cabe ressaltar que a primeira eleição para presidente e vice-presidente, de chapas separadas, foi realizada de forma indireta.
Também ficou decidido que cada Estado teria autonomia para elaborar sua propria legislação eleitoral, um quadro que ressaltava as diferenças regionais e a preponderância da vontade dos civis pela autonomia dos Estados. Nessa perspectiva de autonomia, as comissões distritais continuavam a existir e eram as responsáveis por registrar os eleitores. Eram compostas por autoridades locais e, por deterem o poder de decidir quem estava apto a votar, geravam suspeitas de fraudes em favor de grupos já estabelecidos no poder, enfraquecendo a oposição. Foi apenas em 1916 que essa responsabilidade foi transferida para o poder judiciário, a fim de evitar fraudes locais no alistamento.
Apesar da forte presença militar, alguns partidos detinham enorme poder e apoio, sendo um deles o Partido Republicano Paulista (PRP). Este apoiava o vice-presidente, militar, por acreditar que ele traria segurança para a recém-inaugurada República e em troca oferecia-se como base para a governabilidade.
O governo de Floriano Peixoto foi bastante conturbado, sobretudo pelas discussões sobre a constitucionalidade da sua permanência no cargo e a manifestação dos seus apoiadores para que ele voltasse ao poder.
Nesse contexto houve o rompimento entre o PRP e Floriano e nas eleições de 1894 foi eleito Prudente de Moraes, dando início ao periodo de forte participação das oligarquias de alguns Estados na República. Como ainda existiam as restrições de participação nas eleições, apenas 2,2% da população pôde votar na eleição presidencial de 1894. Em 1932, dando continuidade ao movimento de aperfeiçoamento do sistema eleitoral, foi criada a Justiça Eleitoral que se tornaria responsável por todas as etapas da organização e fiscalização de eleições, sendo um orgão especializado dentro do poder judiciário.
Também houve a promulgação de um novo Código Eleitoral e este trazia a previsão de voto secreto, um sistema representativo proporcional. Embora tenha apresentado avanços, ainda existiam falhas no Código, como manter a exclusão de analfabetos, mendigos e praças militares. Neste novo Código Eleitoral, finalmente foi incluído o direito feminino ao voto de forma explícita. Figuras como Bertha Lutz foram fundamentais para essa mudança.
Cabe ressaltar que esse período da história vem sendo discutido por diversos estudiosos e estudiosas com o intuito de mostrar a complexidade dessas alianças. Uma das autoras proeminentes sobre o periodo é Claudia Viscardi.
Eleições pós 2ª Guerra Mundial e período democrático
Um outro momento interessante da nossa história eleitoral e que mostrou as dificuldades da formação de coligações partidárias foi nas eleições de 1951. Dutra, do Partido Social Democrático (PSD) era mais conservador e havia se aproximado da União Democrática Nacional (UDN) até para estabelecer uma base mais sólida no congresso apesar destes fazerem oposição ao getulismo, corrente presente no PSD. O PSD lança a candidatura de Cristiano Machado enquanto a UDN fazia pressão para que Vargas fosse impedido de concorrer, “se concorresse não ganhasse e se ganhasse não assumisse”.
Entretanto o Partido Trabalhista Brasileiro lança a candidatura de Vargas e o PSD ficou em uma situação estranha: ter um candidato próprio e ao mesmo tempo apoiar outro, essa situação acabou ficando conhecida como a “Cristianização” já que o candidato abandonado era Cristiano Machado. Dessa forma PTB e PSD buscavam fazer frente a UDN. Vargas acabou eleito novamente.
Outra característica eleitoral que causou certa instabilidade na República era a eleição separada para presidente e vice-presidente. As eleições de 1960 tiveram como vencedores Jânio Quadros, do pequeno Partido Trabalhista Nacional (PTN) coligado com uma série de partidos menores de direita e a UDN, e João Goulart do PTB. Na prática foi como se as duas coligações opositoras tivessem obtido os cargos do executivo federal e a já conturbada relação entre Direita e Esquerda ajudou a instabilidade política quando Jânio renunciou e o vice deveria assumir. Pode-se dizer que foi parte do problema que levaria mais tarde ao golpe militar e a ditadura.
Ditadura
Durante o período da ditadura militar o processo eleitoral esteve suspenso durante longos períodos, a escolha de governadores e prefeitos ocorreu de forma indireta por diversas vezes ao longo do período, bem como a extinção de partidos e a formação do sistema bipartidário com o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e a Aliança Renovadora Nacional (ARENA).
Sempre que havia algum movimento eleitoral que causaria o enfraquecimento ou perda de controle de uma região por parte do Regime, algo era modificado para tentar conter o movimento. Foi assim que em 1977 criaram a figura do “Senador Biônico” dentro do Pacote de Abril em resposta a derrota eleitoral no senado em 1974 e as municipais de 1976.
Redemocratização
Após a redemocratização ocorreram novas atualizações do sistema eleitoral: a unificação do registro dos eleitores em um sistema centralizado para, entre outras coisas, coibir as fraudes relacionadas aos registros duplicados em diferentes Estados ou o uso contínuo de “eleitores mortos”.
Conjuntamente houve a informatização do sistema de apuração, mesclando o voto em cédula de papel com a apuração realizada com máquinas mais sofisticadas. Este foi um passo no que futuramente veio evoluir para o uso de urnas eletrônicas. O sistema vem sendo aprimorado com novos testes e tecnologias para manter a segurança e agilidade do processo eleitoral, como por exemplo a inclusão da biometria e a evolução do codigo fonte e dos testes conduzidos por especialistas ao longo dos anos.
A urna eletrônica também permitiu agilizar o processo de apuração, o que demandaria cada vez mais tempo e recursos causado pelo aumento do eleitorado. Apenas no periodo entre 2000 e 2022 passamos de aproximadamente 109 milhões de eleitores para 156 milhões.
Conclusão
Ainda existem muitas mudanças que merecem ser discutidas, como por exemplo o que fazer com cidadãos que ocupam um cargo, seja eletivo ou concursado, que pode influenciar diretamente no processo eleitoral e que decidem sair destes para concorrerem a eleição? Alternar eleições presidências e parlamentares para aumentar o senso de freios e contrapesos entre os poderes? Fica aqui o questionamento.
Texto escrito por João Guilherme Grecco
Formado em Relações Internacionais e grande entusiasta da carreira diplomática. Estudou para o Concurso de Admissão a Carreira Diplomática (CACD) e atualmente é colunista do Jornal Zero Águia.
Fontes
História do Brasil. Boris Fausto
Teatro das Oligarquias. Claudia Viscardi
Manual do Candidato CACD História. João Daniel
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