Gabriel Boric: a vitória inesperada que reacende o debate dos rumos da política latino-americana.
A vitória de Gabriel Boric (36) nas eleições presidenciais de 2021, no Chile, reacendeu a esperança de uma parte dos setores mais progressistas da América Latina. Boric é o mais jovem presidente eleito no Chile – e do mundo – vencendo uma campanha na qual nem ele mesmo acreditava sair vitorioso com 54,72% dos votos válidos, contra 45,28% do adversário, José Antonio Kast, já no segundo turno.
Enquanto Kast representava a velha política chilena e não escondia sua simpatia pelo ex-ditador Augusto Pinochet, que comandou o país de 1973 até 1990 em uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina, Boric, por sua vez, era um ex-líder estudantil que adotou um discurso moderado e inclusivo em meio a um Chile com uma população ainda mais empobrecida e que havia sido palco de inúmeros protestos populares reivindicando mais garantia por parte do estado.
Os protestos, mais intensos no ano de 2019 e 2020, pautavam inúmeros temas como; educação e saúde gratuita, uma reforma previdenciária e pacificação de conflitos com o povo Mapuche, sobretudo no sul do país - que foi alvo de inúmeras ações truculentas no governo de Sebastián Piñera. Foi nesse cenário que Boric conseguiu alcançar mais notoriedade e passou a ser visto como um bom negociador e cara da “nova esquerda” latino-americana.
Boric já demonstrou que está disposto a dialogar com diferentes parlamentares para conseguir apoio de partidos tradicionalmente de centro e/ou centro-esquerda, o que poderá ajudá-lo e lhe proporcionar um caminho mais tranquilo, ou menos tortuoso, para governar. Seu governo tem uma das maiores participações femininas já vistas na história chilena; 14 ministérios comandados por mulheres frente a 10 comandados por homens, cumprindo uma das promessas de campanha onde garantia em seu mandato construir “para um futuro feminista” no Chile.
Atendendo a uma das reinvindicações dos protestos de 2019 e 2022 e vencedora do referendo popular realizado em novembro de 2020, a Convenção Constitucional do Chile, grupo composto por 155 representantes, tem a missão de elaborar uma nova Carta Magna chilena até outubro de 2022, abandonando assim a ultrapassada Constituição atual herdada do governo do ditador Pinochet e portanto Gabriel terá pela frente mais este desafio. A Convenção deverá trazer para debate da Constituinte temas sensíveis como a utilização dos recursos naturais, os impactos da mineração, o acesso a serviços públicos e políticas que promovam igualdade de gênero, além da constante violência policial.
Chile: o paraíso liberal do livre-comércio e do desamparo aos pobres
Os desafios do mandato de Gabriel Boric não serão pequenos e prometem ser vistos com curiosidade por boa parte da esquerda, sobretudo a latino-americana. O Chile é um dos países que mais tem acordos de Livre Comércio na América do Sul, e embora seja associado ao Mercosul, não manifesta vontade de integrar o bloco, que foi idealizado para facilitar a circulação de pessoas, mercadorias e serviços dos países da América do Sul.
Em 2021, a economia chilena cresceu cerca de 17,2% no terceiro trimestre se comparado ao mesmo período do ano anterior, informou o Banco Central de Chile, onde os gastos do governo impulsionaram a atividade no país e ajudou no desempenho.
Mas os números tão promissores escondem uma faceta sombria da desigualdade no país como o polêmico saque de pensões, situação de milhares de chilenos que não têm direito a uma previdência social pública que precisa recorrer ao fundo em momentos de instabilidade econômica, como a vivida pela pandemia da Covid-19.
Segundo a ONU, na pandemia a pobreza aumentou cerca de 3 a 5% no Chile, e muitas pessoas precisavam resgatar seu fundo de reserva para a aposentadoria (espécie de FGTS aqui no Brasil) mas que não tem contribuição das empresas como no Brasil, a “Ley Corta de Pensiones”.
Eleições Sulamericanas: efeito Boric pode ser sentido na região
No ano de 2022, Brasil e Colômbia também enfrentarão eleições para o presidente e se espera que o “efeito Boric” possa refletir nestes países que hoje são governados por presidentes alinhados mais liberal e conservadora.
Gustavo Petro, pré-candidato colombiano nas eleições deste ano, chegou a declarar em sua conta do Twitter que estava seguindo “Rumo a Santiago do Chile para presenciar a mudança real na América Latina. Quem dera que a Colômbia faça parte dos novos ventos frescos do sul” ao se referir a posse de Boric.
O ex-presidente Luis Inácio “Lula” da Silva, um reconhecidamente como um forte pré-candidato nas eleições brasileiras deste ano, também foi convidado para a posse por Boric mas declinou o convite por considerar “imprudente” devido a institucionalidade, mas enviou uma carta parabenizando Boric e desejando-lhe um bom mandato.
Se Boric fará um bom mandato, ainda não sabemos, mas que já desponta hoje como uma figura carismática e popular, isso é incontestável. O jovem presidente chileno conseguiu trazer uma ideia do que poderia ser considerada como a “nova esquerda” na América Latina e trouxe temas que a “esquerda tradicional” discute com ressalvas e a passos bem mais lentos, como por exemplo os direitos civis da população LGBTQI+, o aborto e a desigualdade de gênero em várias esferas da sociedade. Ao vencer a eleição em um país em que não há a obrigatoriedade do voto como é no Chile, Gabriel Boric mostrou que parte da população chilena não quer mais ser apenas um país do livre comércio, quer mais garantias e melhor qualidade de vida para a população, sobretudo a mais pobre. Que esses ventos, como disse Petro, além da Colômbia também passem por aqui.
Texto escrito por: Katiane Bispo
Formada em Relações Internacionais e especialista em Políticas Públicas e Projetos Sociais. Site: @uma_internacionalista
Fontes:
Jornal CNN Brasil
Banco Central de Chile
Jornal Uol Brasil
Jornal La Tercera
Jornal Euronews
Jornal Portafolio
Jornal Folha de São Paulo
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