A disputa presidencial entre os dois principais candidatos estadunidenses se intensifica a cada dia, repleta de acusações e provocações. De um lado, a democrata Kamala Harris, que está concluindo seu mandato como vice-presidente; do outro, o republicano e ex-presidente Donald Trump, que não conseguiu se reeleger na última eleição, perdendo para Joe Biden, algo que só aconteceu com outros quatro presidentes estadunidenses no último século.
Kamala enfrenta uma disputa acirrada com Trump, mas teve menos tempo que seu oponente para trabalhar sua imagem como presidenciável. Isso porque foi eleita como substituta de Biden, que desistiu de concorrer à reeleição após inúmeras críticas e dúvidas sobre sua capacidade de enfrentar mais um mandato. As indagações surgiram devido a incontáveis gafes que demonstraram sinais de senilidade por parte do atual presidente, que inicialmente negou e tentou reverter a situação para continuar na disputa.
O cenário mudou quando, em um debate com Trump, no mês de julho deste ano, Biden saiu perdedor e grandes doadores de sua campanha iniciaram um movimento pedindo a troca de candidato, o que levou o Partido Democrata a pressionar Biden dando assim a oportunidade para que Kamala fosse o nome democrata a concorrer à presidência.
Donald Trump seguia na liderança das pesquisas até a saída de Biden da disputa, o que foi um grande revés para sua campanha, que havia sido desenhada para atacar Biden. O atentado que sofreu no estado da Pensilvânia enquanto participava de um comício fez a sua popularidade aumentar ainda mais, deixando um Biden mais enfraquecido e com sua imagem ainda mais abalada.
O “teto de vidro” de Biden era fácil de ser atacado. Ele tem sido duramente criticado pela mídia norte-americana (e também internacional) pela participação nas guerras da Ucrânia e de Israel, no Oriente Médio, enquanto a dívida pública dos Estados Unidos chegou em US$ 34,62 trilhões, conforme mostram dados de abril deste ano.
A desigualdade social e ausência de assistência do governo abriram espaço para que Trump conseguisse angariar votos que, desde os anos 90, eram em sua maioria dos Democratas: a população afro-americana. Em um levantamento feito pelo New York Times e Siena College, apenas 70% dos homens negros pretendem votar em Kamala nestas eleições, enquanto Trump conseguiu um aumento de seis pontos em comparação às últimas eleições.
Esse dado não é isolado, a United States Census Bureau (DCEU), o Censo americano, mostrou que 36,8 milhões de pessoas estavam vivendo abaixo da linha da pobreza em 2023. Além disso, as longas filas em busca de emprego atingem em sua maioria a população afro-americana, onde o índice de desemprego chegou a 9,3%, três vezes maior que o índice entre os brancos.
Com a classe média estadunidense cada vez mais empobrecida, um número que triplica entre os afro-americanos, parte do país viu o desemprego cair pouco durante o mandato de Biden. Esse dado tem sido usado por Trump para reacender a ilusão do “sonho americano” e clamar por um nacionalismo tolo que costuma mexer com a vaidade dos ianques.
De Swing States à política externa, o que pode atrapalhar as campanhas de Trump e Kamala
A postura intervencionista de Biden nos conflitos recentes na Europa e no Oriente Médio tem desgastado a imagem de Kamala, que não consegue se desvincular do democrata em sua campanha. Com a popularidade em queda entre eleitores americanos de ascendência árabe e muçulmana, Kamala precisará mais do que promessas e bons discursos para reverter o cenário.
No estado de Minnesota, no início deste ano, surgiu o movimento “Abandon Biden” (Abandone Biden), onde um grupo de ativistas se reuniu motivado pela recusa do presidente em pedir um cessar-fogo em Gaza. Os líderes do movimento prometeram retirar seu apoio e “fazer campanha contra qualquer um que continue a apoiar o genocídio de países árabes”. Isso também tem ocorrido na campanha de Kamala, onde muitos desses manifestantes agora empunham cartazes com os dizeres “Abandon Harris".
A rejeição de Harris por parte do eleitorado de Minnesota é apenas um dos desafios que ela precisará enfrentar. Os estados indecisos, ou swing states, são extremamente importantes nas campanhas eleitorais, pois têm o potencial de decidir o resultado da eleição. Alguns exemplos clássicos de swing states incluem Flórida, Pensilvânia, Ohio, Michigan, Nevada, Geórgia, entre outros.
Enquanto Trump promete aos americanos que seu mandato trará de volta a grandeza da América, líderes internacionais europeus observam com apreensão a possibilidade de sua vitória nas eleições
Com Donald Trump eleito, o jogo de tabuleiro internacional pode mudar, sobretudo no conflito entre Rússia e Ucrânia, mas há poucas chances de que recue no apoio a Israel no Oriente Médio. Sem o apoio dos Estados Unidos ao conflito, os ucranianos se verão obrigados a negociar mais rapidamente.
Além do “abandono ucraniano”, Trump não poupa críticas à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), afirmando que deseja sair da organização porque os países-membros se beneficiam do poderio militar americano sem arcar com os 2% do PIB, como estabelecem as regras da organização. Já chegou a partilhar sobre uma suposta conversa com líderes europeus:
“Eu disse: 'Todo mundo vai pagar'. Eles disseram: 'Bem, se não pagarmos, vocês ainda vão nos proteger?' Eu disse, ‘absolutamente não.’ Eles não podiam acreditar na resposta.”
Com a vitória de Kamala, a política externa norte-americana permaneceria relativamente estável, o que deve tranquilizar muitos líderes europeus, especialmente os da OTAN.
É possível arriscar?
Não seria exagero dizer que vencerá as eleições o candidato menos rejeitado. A analista Fernanda Magnotta destacou no CNN 360° que apenas cerca de 40% dos eleitores nos EUA votam, devido ao fato de o voto não ser obrigatório, como no Brasil, e às burocracias do processo eleitoral, que desencorajam parte dos eleitores. Esses fatores contribuem para a baixa participação.
Caso essa parcela da população decida votar, não é fácil prever o que terá mais apelo: o discurso negacionista, xenofóbico e racista de Trump, prometendo tornar a “América grande de novo”, ou a esperança de que, no mandato de Kamala, as promessas não cumpridas do governo Biden-Harris sejam prioridades, em vez dos gastos bilionários em guerras, enquanto milhões de pessoas padecem sem emprego e na linha da pobreza.
Meu palpite ousado é na vitória de Kamala, mas o pêndulo pode decidir para qualquer um dos lados. Basta esperar um pouco mais.
E você, tem algum palpite?
Texto escrito por Katiane Bispo
Formada em Relações Internacionais, especialista em Políticas Públicas e Projetos Sociais. É podcaster no O Historiante, colunista no jornal Portal Águia e ativista em causas ligadas aos Direitos Humanos, Gênero e Raça. Instagram: @uma_internacionalista
Revisão por Eliane Gomes
Edição por Felipe Bonsanto e João Guilherme V.G.
BIBLIOGRAFIA
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicoes-nos-eua-2024/analise-comparecimento-e-historicamente-baixo-nas-eleicoes-dos-eua/ - acessado em 25.out
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/10/22/fim-do-sonho-americano-e-abalo-na-classe-media-alimentam-voto-em-trump.htm - acessado em 25.out
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/americanos-de-ascendencia-arabe-dizem-que-nao-votarao-em-biden-por-apoio-a-israel/- acessado em 30.out
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eleicoes-nos-eua-2024/o-que-sao-os-estados-pendulo-e-qual-a-importancia-nas-eleicoes-dos-eua/ - acessado em 30.out
https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/trump-critica-paises-inadimplentes-da-otan-e-secretario-geral-responde/ - acessado em 30.out
Comments