O segundo Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND II), encabeçado pelo governo militar nos anos 1970, vislumbrava, sobretudo, prosseguir com os altos índices de crescimento que marcaram o período do “milagre econômico”, embasando-se no aprofundamento da política de substituição de importações e no desenvolvimento do setor de bens de capitais, que para o plano garantiria de modo permanente a realização da tão perseguida substituição de importações.
Porém, se no período do milagre o crescimento era puxado sobretudo pelo crédito externo, havendo, portanto, um cenário favorável a esse tipo de operação, seja pelos juros baixos, seja pela boa recepção que a economia brasileira gozava nos mercados creditícios; a realidade se altera significativamente na década de 1970 em razão dos choques do petróleo e da abrupta elevação do juro internacional, colocando ao II PND um ambiente externo mais desfavorável daquele gozado no “milagre”.
Os choques e a consequente elevação dos juros contribuíram para desacelerar a economia mundial, restringindo o crédito e agravando a dívida externa brasileira. Assim, se o plano de desenvolvimento dos militares vislumbrava alterar as estruturas internas do país para que este ficasse menos vulnerável às oscilações externas, sua execução prévia deveria se basear no que sustentara o “milagre”, isto é, a dívida externa, o que definitivamente não era mais possível.
Frente a este cenário bastante adverso, o II PND contou mais com a participação estatal do que com o entusiasmo dos investimentos privados para dar sequência ao projeto.
Com um crescimento ancorado na dívida externa desde o “milagre” (e passando pelo II PND), a crise que se acentua a partir dos anos 1980 obriga uma mudança de rumo na economia para cumprir com os compromissos da dívida, levando o governo a estimular as exportações e restringir as importações. Logo, medidas recessivas visando conter consumo e os investimentos passaram a ser adotados, apesar da contrariedade do empresariado e da sociedade civil.
As consequências dessas ações foram corrosivas para o país, que experiencia queda de receitas do governo, recessão da indústria (seu principal setor), além do cenário externo altamente desfavorável.
A situação se deteriora ainda mais em razão da moratória da dívida mexicana em setembro de 1982, o que praticamente inviabiliza o crédito externo aos países em desenvolvimento.
Assim, o Brasil recorre ao FMI, que impõe condições de forte reajusta sobre as “absorções internas” para conceder um crédito aquém do necessário para amortização. Essas medidas, que visavam, sobretudo, obter os superávits na balança comercial para atenuar a situação externa, fazem com que os anos 1980 quebre a média de crescimento das décadas anteriores, se observando forte retração nos investimentos (públicos e privados), queda na renda e retração da indústria.
O fracasso do plano econômico dos militares, porém, não pode obscurecer seus méritos. É preciso salientar que o projeto deu sequência ao plano desenvolvimentista iniciado no varguismo e prosseguido no governo JK. O fracasso demonstra mais a fragilidade dos capitalistas brasileiros em aplicar inversões na economia, uma vez que o “milagre” militar dependeu mais do investimento público e do crédito externo, sendo que a restrição deste último demonstrou as limitações da burguesia nacional em financiar o crescimento econômico nos patamares do “milagre” e dos anos 1960 e 1950.
Assim, fica evidente que o PND do governo militar não logrou o sucesso que pretendia mais em razão de fatores externos (a conjuntura dos anos 1970, com forte elevação dos juros e crise da dívida externa), do que propriamente das imperfeições de sua política.
A especificidade da inflação do Brasil ao longo dos anos 1980
A indexação da economia brasileira iniciada ainda no período militar foi a causa da manutenção da inflação em patamar elevado na década de 1980, é o que defende o economista e ex-ministro Luiz Bresser-Pereira. A inflação do Brasil, para além de alta, se mantinha em patamares elevados e não dava indício de queda.
Dada essa atipicidade da inflação, economistas como Bresser-Pereira, Francisco Lopes, Persio Arida e André Lara Resende desenvolvem novos estudos, que fugiam da interpretação tradicional da ortodoxia sobre a inflação.
Estes estudiosos perceberam que o que explicava a manutenção da inflação em patamares elevados na economia brasileira seria propriamente o que denominaram por inflação inercial, que escaparia, por sua vez, da tradição ortodoxa que entendia o fenômeno da inflação apenas como um componente das pressões da demanda sobre a oferta.
A inflação inercial, portanto, seria independente da demanda e estaria relacionada, por sua vez, à indexação, isto é, ao reajuste de preços vinculados. Na prática, esse tipo de inflação transfere para o presente a inflação passada, seja mediante indexação formal ou informal, gerando um ciclo vicioso e desarticulado no tempo.
A indexação, portanto, produzia uma “memória inflacionária”, ou seja, o reajuste das empresas em resposta à inflação repassava os custos para outras empresas, que por inércia se viam obrigadas a reajustar (por isso não se tratava de uma inflação por demanda).
Na interpretação ortodoxa, a inflação decorre sobretudo pela expansão monetária, o que pressionaria a demanda e, portanto, elevaria a inflação. Bresser-Pereira, por sua vez, demonstra que a expansão da moeda ocorre em razão da elevação dos preços (puxados pela inércia inflacionária) e não o contrário.
Neste caso, a elevação dos preços não era acompanhada pelo crescimento em igual proporção da oferta monetária, mas também pela velocidade da moeda, que ganhava uma rapidez ainda maior na medida que a inflação se agravava.
Portanto, a tese ortodoxa de que a causa inflacionária estava na forte expansão da moeda não se sustentava, uma vez que não observou a inércia inflacionária na economia, mas apenas as forças da pressão da demanda, que na prática inexistiam. Assim, as medidas para combater esse tipo de inflação tiveram que fugir do tradicionalismo ortodoxo e se orientar em novos paradigmas que visassem atacar a indexação e reorientar a economia para um certo nível de preços médios reais reajustados.
Plano Cruzado
Desta maneira, o Plano Cruzado buscou congelar preços e controlar os reajustes dos salários e dos títulos de maneira mais centralizada, tentando com essas medidas mediar a disputa pela distribuição da renda, um dos principais fatores das indexações.
O sucesso do Plano, porém, foi curto. Dentre os motivos de seu colapso, um deles foi a expansão da liquidez, que reduz os juros e amplia os investimentos (alimentados por um ambiente favorável de inflação controlada).
Esses fatores destravam a demanda, e num contexto de congelamento de preços, gera-se um irreversível desabastecimento, colocando em xeque qualquer credibilidade do plano que se sustentava, justamente, sob o congelamento de preços.
Assim como o fracasso do plano de desenvolvimento dos militares, há também de se reconhecer as boas intenções do Plano Cruzado (embora tenha falhado em seu intento). O reconhecimento de um tipo específico de inflação foi crucial para que na década seguintes encontrássemos o meio correto de acabar com a inflação alta e constante (tipificada pelos pensadores do plano real como uma inflação do tipo inercial).
O Plano Cruzado ao menos representou um primeiro movimento político no sentido de atacar as verdadeiras razões da inflação.
A volta à ortodoxia como método de controle da inflação, isto é, recorrendo à asfixia da demanda demonstrou-se infrutífera e agravante, como ficou demonstrado no Plano Collor.
Ambos os fracassos devem ser abordados não sob a luz dos “derrotados e vencedores”, mas principalmente sob a perspectiva de seus legados. Do mesmo modo que o Plano Cruzado reconhece a verdadeira “anatomia” da inflação, deixando ao menos um ferramental importante para seu controle na década seguinte (da qual jamais poderia vir da ortodoxia), o PND militar, embora bastante limitado pelo ambiente externo extremamente desfavorável, pôde atrair investimento importantes para o Brasil, como na parte energética no que confere às construções das usinas de Itaipu e Angra, fundamentais para o país e para sua etapa moderna.
Texto escrito por João Vitor Bortoleto
Professor de História e Sociologia; formado em História pela USP e especialista em Humanidades pelo IF-SP. Atualmente é graduando em Ciências Econômicas pela UNIFESP e colunista do “Zero Águia”.
Revisão por Eliézer Fernandes
Edição por Felipe Bonsanto
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