“O rio, vasto como uma onda do mar. As margens, sob o vento perfumado das flores de arroz. É aí, nessa margem que eu moro e que escuto as ordens dos timoneiros” (Canção popular chinesa).
Os mais de 5 mil anos de história da China guardam muitos eventos importantes, mas nenhum se compara às consequências da revolução comunista de 1949 para o mundo contemporâneo. Neste texto, acompanharemos a vida de Xiao Li e sua família por meio da HQ Uma Vida Chinesa de Li Kunwu e P. Otié.
A China construiu uma tradição muito enraizada em seu povo, o que foi fundamental para a preservação de sua identidade. Mesmo a revolução cultural, promovida por Mao-Tse Tung (Mao Zhuxi Wansui), após os primeiros anos da revolução, não foi capaz de destruir os alicerces tradicionais dos povos chineses, já que se trata de um país multiétnico.
A história
A revolução comunista, ocorrida em 1949, pôs fim ao governo Kuomintang, liderado pelo Partido Nacionalista de Chiang Kai-shek e, pouco antes, já havia expulsado os japoneses de sua ocupação na Manchúria. As forças conservadoras do Partido Nacionalista fugiram da China continental e fundaram a República da China na ilha de Taiwan.
A revolução, por sua vez, instituiu a República Popular da China, liderada por Mao Tsé-Tung. É aqui que começa a história narrada na HQ Uma Vida Chinesa. A obra é dividida em 3 volumes: I. O tempo do pai; II. O tempo do partido; III. O tempo do dinheiro. O tempo do pai conta a história da era Mao, o plano do grande salto adiante, a fome extrema e a revolução cultural. O pai de Xiao Li, Li Yunwu, foi uma liderança comunista importante no processo revolucionário e se manteve fiel à revolução, mesmo após passar 10 anos detido em um dos Centros de Reeducação estabelecidos pela revolução cultural.
Neste texto me deterei ao Tempo do partido pois, é neste volume que entendemos melhor as reformas promovidas na sociedade chinesa após a morte do “grande timoneiro” em 1976. O pai de Xiao Li foi libertado do centro de reeducação. O jovem Li trabalha para o partido comunista e sonha em seu aceito como membro oficial. Contudo, o contexto é de disputa interna no Partido Comunista Chinês (PCC). Os personagens revelam uma grande reverência pelo líder Mao, mas o desejo de mudança e renovação começou a contagiar a população. Esse desejo foi defendido pela ala Gaigepai, cuja representação se dava por Deng Xiaoping. O lado conservador do PCC era representado pelos Fangepai, fiéis ao presidente Hua Guofeng. A história real e a dos quadrinhos nos ensina que os renovadores ganharam a disputa e que a China deve a essa abertura seu desenvolvimento atual. A propaganda, na qual trabalhava Xiao Li, teve um papel muito importante nesse processo e em seus objetivos pessoais.
Em uma das cenas da HQ, vemos um grande painel onde se lê: “Fortaleçamos a defesa nacional, defendamos as 4 modernizações: da indústria, da agricultura, da ciência e da defesa”. (Li; Otiê, 2016, p.131). A saga da China por seu desenvolvimento é acompanhada pela do personagem em busca de se tornar digno de sua família e pátria.
O tempo do dinheiro é um mergulho quase antropológico na China moderna. A geração das mudanças ocorridas a partir da década de 1980 viu os chineses migrarem para as cidades, construírem megalópoles e se tornarem o motor do desenvolvimento mundial, às custas de uma grande exploração do trabalho, mas visto pelos chineses como um sacrifício para devolver a China ao seu lugar histórico: a maior nação do mundo. Enquanto isso, os jovens chineses herdam um país desenvolvido e moderno, o que provoca uma profunda transformação cultural e de expectativas do futuro. Será que o modelo chinês resiste às mudanças históricas?
A HQ Uma Vida Chinesa de Li Kunwu e P. Otiê é uma excelente obra para compreendermos os desafios geopolíticos globais. Um desses desafios é a disputa que a República Popular da China tem com Taiwan. A ilha, que reivindica independência, é o refúgio dos herdeiros do Kuomintang e possui uma ligação forte com o ocidente. Isso justificou as recentes visitas do grande escalão do governo estadunidense a Taiwan. Para o PCC, Taiwan é parte da China e sua separação representaria grande risco para a integração nacional. Os objetivos do governo chinês dependem da coesão e ordem do país, segundo o PCC. Há outros inúmeros desafios: o crescimento indiano, as disputas pelo mar do sul da China, a hostilidade japonesa e australiana, a questão demográfica e, a mais importante, as confrontações com os Estados Unidos da América. Nada disso pode ser compreendido sem um conhecimento mínimo da história recente da China.
Notas
1] Timoneiro era o nome dado aos seguidores de Mao Tse-Tung. O líder comunista da China era conhecido como O grande timoneiro.
Texto escrito por Marco Aurélio Cardoso Moura
Professor de Língua Portuguesa no Ensino Médio; formado em Letras pela USP e especialista em Juventude no Mundo contemporâneo pela FAJE-BH. Hoje é mestrando em Educação pela FE-USP e colunista do “Zero Águia”.
Referência bibliográfica
KUNWU, Li. Uma vida chinesa. [3 volumes]. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2015.
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