O clima não espera: A COP 30 chega a Belém, mas e as nossas vozes?
- Denise Reis

- 7 de ago.
- 5 min de leitura
Atualizado: 26 de ago.
Em português, COP significa Conferência das Partes. A COP 30, conferência do clima da ONU, chega a Belém para discutir o futuro do nosso planeta. O tema central é aprofundar o debate sobre a crise climática, buscando acordos para cortar emissões de gases poluentes, ajudar o mundo a se adaptar às mudanças já em curso, garantir mais recursos para os países mais afetados e proteger nossas florestas e toda a vida que nelas existe. Bonito, né?

Mesmo sem ser acadêmica ou estudiosa do tema, sabemos que, para que essa conversa faça sentido de verdade, a voz de quem mais sente as enchentes, as secas e o calor insuportável precisa estar presente. Será que as pessoas que vivem na ponta foram ou serão ouvidas? Ou será mais uma daquelas reuniões de cúpula que prometem muito e entregam pouco?
O Brasil, com sua beleza e diversidade, também carrega marcas profundas de desigualdade. O clima pesa mais do nosso lado.
Nossas marcas, nossas cores, nossas histórias
A Amazônia e Belém são um caldeirão de culturas: povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e uma grande população urbana. Por muito tempo, a "morenidade" tentou apagar a nossa identidade negra, nossa história e a força que carregamos. Mas a verdade é que o povo negro tem raízes profundas na Amazônia, com sua cultura vibrante e sua luta diária. E não somos os únicos que resistem: indígenas, ribeirinhos e outras comunidades também enfrentam seus desafios com força.
Falar de justiça climática exige entender e refletir que as mudanças do clima não afetam todo mundo da mesma forma. Pessoas em situação de maior vulnerabilidade são as mais castigadas. Áreas sem saneamento básico sofrem mais com enchentes e poluição, além da dificuldade de acesso a serviços essenciais. E são justamente nessas áreas que vivem a maioria da população negra, indígena e das comunidades tradicionais. Isso tem nome: racismo ambiental e injustiça climática.
Essa realidade não é exclusiva de Belém. É a mesma nas comunidades do Rio de Janeiro, de onde falo, nas favelas de São Paulo, no semiárido do Nordeste e por aí afora.
As vozes que vêm das Ilhas, dos Quilombos e das periferias chegam à COP 30?
A invisibilidade nos afasta de decisões importantes que impactam nossas vidas. Em Belém, segundo o Censo 2022 do IBGE, quase 75% da população se autodeclara parda ou preta. É uma cidade majoritariamente negra. As manifestações culturais, como o carimbó e as festas de matriz africana, são prova viva da riqueza e resistência do povo negro.
Pensemos na Ilha de Cotijuba, pertinho de Belém. Lá não há carros, apenas motorretes (carroças puxadas por motocicletas). Segundo o Sr. Ítalo, morador da ilha e condutor de motorrete, a ideia veio da Ilha de Paquetá, no Rio de Janeiro. A internet, que parece básica para muitos, só chegou de verdade por lá em 2023.
Tudo se resolve em Belém, a 45 minutos de barco (especificamente do terminal de Icoaraci, que é um distrito de Belém de onde partem os barcos). Como uma pessoa de lá, ou de uma comunidade ribeirinha ainda mais isolada, pode se informar sobre a COP 30 e, prin
cipalmente, participar?

Invisibilidade e sub-registro civil
Entre tantos fatores que tornam pessoas invisíveis, está a triste realidade do sub-registro civil (nome dado pelo IBGE aos nascimentos não registrados em cartório dentro do prazo legal, que geralmente é o ano do nascimento ou o primeiro trimestre do ano seguinte).
Para ter acesso a qualquer direito - saúde, escola, programas sociais e até um sepultamento digno - o primeiro passo é existir para o governo, ter certidão de nascimento. Sem ela, a pessoa é praticamente invisível.
No Brasil, 99,3% das crianças de até 5 anos tinham registro civil em 2022. É um avanço, mas ainda desigual.
Na Amazônia Legal, a situação é mais grave: em Roraima, 89,3% das crianças indígenas com até cinco anos não têm registro; no Amapá, esse número é de 6,6%.
São crianças que mal existem no papel. Como podem ter voz num evento global?
A falta de registro de nascimento pode ser causada por diversos fatores, incluindo a falta de informação sobre a gratuidade e importância do documento, dificuldade de acesso aos cartórios (especialmente em áreas rurais e remotas) e a um grande número de pais que também não foram registrados e desta forma não podem registrar seus filhos.
A pobreza tem cor e gênero
Os dados gritam a realidade da desigualdade:
37,7% dos brasileiros abaixo da linha da pobreza são negros, contra 18,6% de brancos (IBGE 2021).
68% das pessoas em situação de rua são negras (51% pardas e 17% pretas), e 87% são homens segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) / Cadastro Único (CadÚnico), dados de dezembro de 2022.
Mulheres negras são as mais afetadas pela violência doméstica (cerca de 66%) e pela extrema pobreza. Famílias chefiadas por elas são quase cinco vezes mais pobres que as chefiadas por homens brancos.
Barreiras para participar da COP 30
Participar da COP 30 é um desafio gigante: credenciamento, transporte caro, hospedagem, alimentação. Para quem vive em Cotijuba ou em comunidades com pouca estrutura, esses obstáculos se multiplicam. O racismo estrutural e as desigualdades sociais dificultam o acesso e a visibilidade.
Será que quem precisa, consegue chegar lá e incidir nas decisões? Muitas pessoas vivem outras urgências: como comprar o gás? A linguagem e os próprios temas reforçam o abismo entre quem está lá dentro discutindo e quem está aqui fora sentindo na pele.
Desde o Acordo de Paris (COP 21, 2015), que sonhava em limitar o aumento da temperatura a 1,5°C, passando pela COP 26 (Glasgow, 2021), com muitos países prometendo reduzir emissões e o desmatamento e a COP 27 (Egito, 2022) que criou um fundo para "perdas e danos" para países pobres, uma luta antiga do Sul Global, o mundo se reúne para falar de clima. Mas muitas metas não foram cumpridas. O planeta continua esquentando, o desmatamento não para e o dinheiro prometido raramente chega. Os países ricos, que mais poluem, continuam se esquivando da responsabilidade. Muitas COPs terminam com mais palavras bonitas no papel do que ações concretas que mudam a vida das comunidades.
É hora de transformar o papo em ação: nosso legado na COP 30
Nós, sociedade civil organizada (entidades, grupos e coletivos que atuam de forma autônoma) temos um papel fundamental como pontes. Traduzir o que é a COP, levar informação acessível às comunidades e construir demandas reais. Queremos que as vozes da Amazônia e das periferias do Brasil sejam ouvidas para que a COP 30 não seja mais uma promessa não cumprida.
Que esse evento seja um espelho das injustiças climáticas, do racismo ambiental e da invisibilidade que tantas pessoas vivem. Que traga melhorias reais para a vida de todas as pessoas em Belém, no Brasil e para todos que sofrem com as mudanças do clima.
O mais importante é que a COP 30 fortaleça nossa consciência sobre quem somos (mulheres negras, homens negros, ribeirinhos, indígenas, amazônidas, cariocas, nordestinos e seres humanos) e nosso poder de lutar por mudanças. Que as decisões tomadas em Belém reflitam nossas realidades e ajudem a construir um futuro mais justo e com menos sofrimento para o nosso povo.
Nossa voz, nossa força!

Texto escrito por Denise Reis
Carioca, sagitariana e apaixonada por numerologia cabalística, Denise Reis é administradora de empresas, com especializações em gestão de pessoas, diversidade e inclusão. Gerente de Operações e Pessoas no Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC), tem uma rica experiência no terceiro setor. Viagem, corrida de rua, boa música e a companhia de amigos são suas fontes de inspiração. Por muitos anos, dedicou-se a cozinhar como voluntária para a população em situação de rua e hoje colabora em um núcleo que se aprofunda no cuidado e bem-estar dos profissionais da sociedade civil.
Revisão por Eliane Gomes
Edição por João Guilherme V.G






Comentários