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A cultura do cancelamento e seu impacto nas democracias modernas

Atualizado: 1 de set. de 2022

Nesse artigo iremos falar sobre a importância do que Sampedro (2015) chama de O Quarto Poder em Rede e seu impacto nas democracias modernas. O quanto o cancelamento afeta a sociedade?

Já temos diversas fontes que chamam aos meios de comunicação como o quarto poder das democracias atuais, apesar de não serem formalmente parte da estrutura jurídico-politica num país. Isto se deve mais ao poder que têm sobre a população.


Com a chegada da Web 2.0, aquela que se cria quando os sites de debate como blogs e redes sociais apareceram, o trabalho jornalístico muda totalmente, e com isso também ocorre uma mudança no poder que os meios de comunicação ja possuíam desde há muitos séculos atrás.


Com a erupção das redes sociais, qualquer pessoa com um telefone celular que tenha câmera e uma conta em alguma rede ou site de debate pode ser um jornalista em tempo real, caso ela se encontre num lugar relevante no momento adequado. Temos muitos exemplos disto, lembre-se da importância das pessoas do Oriente Médio que, com seu telefone, transmitiram para o mundo todo o que estava acontecendo durante os protestos da chamada “primavera árabe”. Ou na Costa Rica, durante as emergências que se sucederam pelo furacão Otto há uns anos atrás. O debate sobre quem é jornalista e quem nao é ainda existe e há muitas razões para apoiar um lado e outro. Porém, não vamos debater sobre isso neste artigo.


A história do cancelamento


Tendo em conta o que já mencionamos anteriormente, é necessário lembrar também o termo Ostracismo, que se refere a uma prática muito comum na antiga Grécia, onde as pessoas eram isoladas totalmente da vida social num lugar geográfico específico. Às vezes, o Ostracismo era imposto por via judicial mediante uma lei que foi criada para esse fim. Nos dias atuais, esse termo é muito utilizado para referir-se a uma pessoa que é apartada de um partido político ou movimento social.


Com o crescimento das redes sociais, surgiu a palavra "cancelamento", que se refere a um tipo de ostracismo na web. É um cancelamento que vem de muitos internautas ou usuários das redes sociais. Temos alguns exemplos de pessoas famosas que já falaram mal sobre as vacinas e também o caso do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Mas, já nos perguntamos e debatemos o suficientemente sobre o impacto desse tema na democracia?


Em termos filosóficos, o cancelamento nos ajuda a lembrar sobre o paradoxo da tolerância explicado pelo filósofo Karl Popper: Até que ponto podemos e devemos tolerar o intolerável? Em prol da democracia, devemos tolerar grupos fascistas ou extremistas que promovem o ódio e a morte? Até quando devemos tolerar o intolerável?

O paradoxo da tolerância aparece na obra “A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos”. No livro, Popper identifica e critica extensamente as ideias filosóficas que deram origem, na opinião do autor, aos movimentos totalitários do século XX.

Atualmente, em países onde a utilização da internet é alta, temos visto como os movimentos sociais e políticos aproveitam o impacto e a margem de manobra que têm nas redes sociais para chegar a seu público-alvo e para manipular o discurso público. Por exemplo, as redes nos colocam em algo conhecido como as câmaras de eco (bolhas). Elas refletem o que o algoritmo identifica como gosto pessoal, fazendo com que nossas interações sejam sempre com pessoas que são adeptas de nossos próprios pensamentos. Assim deliberadamente impedem a possibilidade de interagirmos com pessoas de fora dos nossos critérios ou forma de pensar, colocando-nos em uma câmara onde somente escutamos o eco do que nós escrevemos ou compartilhamos.


O impacto na democracia


E isso afeta a democracia? Sim, porque nós cremos que temos razão sobre as coisas que acreditamos. Tome como exemplo as pessoas anti-vacinas que não acreditam nos resultados científicos, se sentem com poder porque estas câmaras de eco as bombardeiam sempre com a mesma informação, então acreditam que tudo o que consomem nas redes seja certo, ainda que sejam notícias falsas. Nessas câmaras nao há debate nenhum. É de um absurdo tão grande que as pessoas estão dispostas a lutar na vida real colocando algumas vezes suas vidas em perigo.


Por outro lado, nestes tempos de guerra (Ucrânia-Rússia), podemos ver como os mecanismos de propaganda têm evoluído e adaptado a esta nova era do quarto poder em rede. Primeiro, temos que ter claro o poder que tem os meios e a propaganda em tempos de batalha. Um dos primeiros passos, de um lado ou do outro, é tentar bloquear as comunicações e informações do inimigo. Isso se constata no cancelamento que temos deste lado do mundo, onde toda informação da Rússia tem sido bloqueada na web. É um claro exemplo de como o cancelamento no mundo da web tem um alto impacto no mundo real.


O cancelamento da Rússia tem escalado tão alto neste tema da guerra, que já estão cancelando também a cultura do país, afetando artistas que pouco ou nada têm a ver com o conflito. E nesse contexto surgem algumas perguntas interessantes, que tem mais relevância agora com a compra do Twitter por Elon Musk: quem decide quem é cancelado em uma rede social ou não (e no mundo real)? Devemos permitir o discurso de ódio tanto no mundo virtual quanto no mundo real a favor da liberdade de expressão e da pluralidade de ideias?


Vale lembrar que as redes sociais são privadas, não pertencem a nenhum governo. Portanto, os direitos de liberdade de expressão são um tanto quanto distorcidos nestes ambientes.


É importante que comecemos a ter essas discussões em nossas áreas, pois a Tecnologia já está aqui para ficar e o impacto na democracia é real.


Uma revisão global desses meios de transmissão é urgente e necessária para determinar a melhor maneira para lidar com esses problemas.


Texto escrito por Johao Larios Fidalgo

Desenvolvedor de software que gosta de pesquisar sobre o impacto da informátiica no mundo real, diretamente de San José, Costa Rica.

 

Fontes:



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