O longa “A Substância” (da diretora francesa Coralie Fargeat), que estreou em setembro no Brasil, é o filme mais falado do ano de 2024. Não é um filme de super-herói, não faz parte de nenhuma franquia famosa e muito menos é de um diretor renomado. Esse filme simplesmente atacou com muita força um “câncer” que está enraizado em nossa sociedade: o envelhecimento feminino e a aceitação da mulher nesse período da vida.
Afinal, o que é “A Substância”?
O filme fala sobre a atriz veterana Elizabeth (interpretada majestosamente por Demi Moore) que, aos 50 anos, apresenta um programa de ginástica na TV. Logo, ela recebe a notícia de que será substituída por uma atriz mais jovem, já que, de acordo com os produtores do programa, não faz sentido uma mulher de sua idade apresentar um programa como esse.
A atriz tem um colapso e vai parar no hospital. Ao chegar lá, é atendida por um enfermeiro que diz que ela “é perfeita” para um determinado tratamento. Na hora, ela não entende muito bem o que o homem lhe disse, mas vai embora com essa informação na cabeça.
Ao chegar em casa, se depara com um pendrive, que provavelmente o enfermeiro colocou no meio de suas coisas enquanto a atendia. Elizabeth conecta o dispositivo em sua televisão para ver o que ele contém.
Assim que começa a assistir, ela entende que o pequeno aparelho tem informações sobre uma determinada “substância” que a deixará mais jovem. De acordo com as informações passadas no pendrive, com essa substância você pode tirar o melhor de si mesmo.
A atriz, temerosa, mas ao mesmo tempo sedenta por uma juventude prometida, corre até o local indicado e pega uma caixa misteriosa. Assim que chega em casa, abre a caixa e segue todas as instruções. Com muita dor e sofrimento, ela passa pela dolorosa e terrivelmente terrorífica transformação no banheiro de sua casa.
Então, Elizabeth torna-se uma linda jovem, enquanto seu corpo velho fica jogado no banheiro. A atriz, em sua versão jovem chamada Sue, vai até a emissora de TV em que trabalha para “roubar” o emprego de sua versão mais velha, ou seja, se manter no mesmo lugar. Quando o diretor do programa conhece Sue, ele fica encantado com a sua beleza e juventude.
A menina tem um período para permanecer nessa versão, e, a cada tempo a velha versão volta à vida, para logo a nova ressurgir e ganhar todos os louros que a juventude lhe traz.
Essa troca de vida continua durante muito tempo e, com um final surpreendente, horrível, de uma forma literal e incrível, o longa termina com uma mensagem profunda, tocante e muito chocante sobre o tema.
O envelhecimento feminino
Já é de conhecimento popular que o tema do envelhecimento feminino é algo sobre o qual muita gente quer opinar, dar dicas, mas quase nunca dar oportunidade. Mas “A Substância” mostra de uma forma bem crua como, muitas vezes, as mulheres cedem aos padrões e críticas impostas pela sociedade.
Assim como Elizabeth, muitas mulheres se sentem frustradas por viverem em uma sociedade que as consideram descartáveis a partir dos seus 35, 40 anos, tanto em relação à aparência quanto em relação ao mercado de trabalho.
Segunda uma projeção realizada com base em dados recentes da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), espera-se que o país supere a marca de 2 milhões de procedimentos estéticos até o final de 2024.O mesmo órgão também informa que o Brasil é o país que mais faz cirurgias plásticas no mundo, e está em segundo lugar em relação aos procedimentos estéticos, como o botox, apenas perdendo para os Estados Unidos.
O envelhecimento feminino é um tema extremamente cruel, já que as mulheres são bastante julgadas. Mulheres que assumem seus cabelos brancos parecem “bruxas”; homens que assumem os mesmos cabelos são “charmosos". Então a mulher pinta seu cabelo e nem se dá a chance de ver como ficaria grisalha, com medo das opiniões, por exemplo. Se a mulher muda seu estilo de roupa, dizem que se veste como velha; mas também, se mantém o mesmo estilo por muitos anos, significa que “não aceita a idade chegando”.
Mas não somente a aparência é uma questão: conforme vão passando os anos, as atitudes e a forma como conduzem a vida também se tornam um assunto público, e não pessoal, como deveria ser.
Tem filhos? Quem vai cuidar enquanto você trabalha?
Não tem? Por quê? Vai passar da idade e vai se arrepender.
É casada? Que bom, cuida da casa para o marido.
Não é casada? Por quê? Vai ficar para titia.
É preocupada com a carreira? É muito ambiciosa, não vai ter tempo para o casamento.
Gosta de cuidar da casa? Só faz isso? Seu marido vai te trocar, não é interessante.
São tantas questões que a sociedade se acha no direito de “meter a colher”, que poderíamos falar sobre isso por horas e horas.
Opinião sobre o filme
Quando eu assisti ao filme, fiquei completamente em choque e encantada. É barulhento, sangrento, exagerado… da melhor forma para prender a atenção do público, o melhor “body horror” ¹ que vi em muitos anos. A relação de Elizabeth com seu corpo, quando se olha no espelho ou quando se maqueia e não se acha bem o suficiente com os produtos, sempre tentando esconder “imperfeições” que nada mais são do que os sinais normais do tempo, é algo que acontece com muitas mulheres todos os dias, seja em casa ou no trabalho, tentando serem boas o bastante para superar a expectativa de um mundo que exige cada vez mais a mais a perfeição. De nós. Como mulheres, como mães, como trabalhadoras.
Saí do cinema mais apaixonada por Demi Moore, por sua grandeza ao interpretar uma realidade tão doente, dramática e tão verdadeira. Aqui também, além da opinião, fica o meu agradecimento à atriz e à fabulosa diretora desse longa, por nos fazer pensar sobre um tema o qual todo mundo quer opinar, mas ninguém quer se aprofundar. Talvez por medo de encontrar seus próprios medos nele.
¹ Body horror ou biological horror é um subgênero do cinema de terror que apresenta intencionalmente violações gráficas ou psicologicamente perturbadoras do corpo humano. (Fonte: Wikipedia)
Texto escrito por Caroline Prado
Brasileira vivendo na Costa Rica, apaixonada por cachorros, plantas e fontes confiáveis. É internacionalista, tradutora e filóloga. Professora de Português como Língua Estrangeira (PLE) e História Contemporânea além de Filóloga especialista em Línguas Latinas.
Revisão por Eliane Gomes
Edição por João Guilherme V.G.
Referências:
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