De bebês reborn a jogos de aposta: como as bolhas virtuais moldam a sociedade
- Eliézer Fernandes
- há 2 dias
- 5 min de leitura
Hoje em dia, praticamente todo mundo acompanha algum influencer, youtuber ou celebridade nas redes sociais. Normalmente, são pessoas conhecidas por algum motivo: pode ser uma chef de cozinha, um pedreiro que também é artista, um streamer de jogos ou um personal trainer. Em certos casos, o destaque vem do fato de a pessoa ser um político ou um médico.

De qualquer forma, essas pessoas e marcas exercem uma forte influência sobre um público, muitas vezes numeroso. Fãs-clubes surgem, tendências se espalham, e o que esses “influencers” publicam, falam e escrevem passa a ser levado a sério. Tudo o que um famoso diz parece ter algum fundamento. É bonito, é cool, soa inteligente.
E assim se formam as bolhas. Com o auxílio dos algoritmos das redes sociais, esses públicos começam a descobrir mais influencers semelhantes aos que já seguem. Ao invés de somente acompanhar um nutricionista focado em alimentação saudável, uma mulher de meia-idade que está redescobrindo os exercícios na academia passa a consumir conteúdos de bodybuilders e atletas do fisiculturismo. As dietas tornam-se cada vez mais restritivas, os treinos mais intensos e prolongados. O mundo fitness é exigente.
Do outro lado, um jovem de 18 anos acompanha apenas gamers e streamers que passam horas diante do computador ou videogame, sempre buscando formas inusitadas de se destacar no jogo. Inspirado por seu ídolo, ele começa a se vestir, falar e se comportar da mesma maneira, até decidir fazer suas próprias transmissões ao vivo, almejando alcançar a mesma fama.
Essas bolhas coexistem dentro das mesmas redes sociais, muitas vezes sem interagir. Completamente paralelas, seus públicos seguem fielmente seus ídolos e frequentemente ignoram conteúdos externos. Neste texto, explorarei algumas dessas bolhas, seus protagonistas e suas crenças.
O delirante mundo dos bebês reborn

Em um cenário onde as redes sociais conectam as pessoas e constroem bolhas tão peculiares quanto inesperadas, surge o universo dos bebês reborn – bonecas hiper-realistas que se transformam em réplicas perfeitas de recém-nascidos.
Assim como os influencers que conquistam legiões de fãs, os bebês reborn cativam uma comunidade apaixonada que os vê não apenas como uma representação da infância, mas também como a personificação do cuidado e da delicadeza em sua forma mais palpável.
Vídeos publicados no TikTok e no Instagram mostram adultos tratando essas bonecas como crianças de verdade: agendando consultas médicas, oferecendo mamadeira, trocando roupas, levando para passear e até tentando utilizar assentos e filas preferenciais.
Dentro dessa bolha, o fascínio ultrapassa a estética. Esse tipo de boneca pode custar entre R$ 750 e R$ 9,5 mil, dependendo do material e da complexidade da produção. As mais caras são feitas de silicone sólido, um material que se assemelha à textura da pele de um recém-nascido.
O surgimento dessa tendência, especialmente entre adultos, é, no mínimo, preocupante. Pode revelar uma dificuldade em lidar com o real e com as relações humanas, levando alguns a se voltarem para o lúdico, para a boneca, para o brinquedo. Por mais realistas que sejam, os bebês reborn continuam sendo apenas representações feitas de material sintético, sem vida. Esse fascínio, porém, pode ser, para muitos, uma forma de suavizar as frustrações e angústias de um mundo cada vez mais complexo e desafiador.
Legendários, o movimento cristão voltado para homens

Dentro das bolhas, onde cada grupo se envolve em narrativas próprias que parecem verdades universais, surge o movimento Legendários — uma proposta que afirma “transformar a masculinidade do homem moderno”. Fundado com raízes cristãs, o Legendários desafia seus participantes a enfrentarem provas extremas, como a subida de montanhas, em eventos que podem ultrapassar o custo de R$ 81 mil. Nesse contexto, a bolha que congrega os participantes se fortalece por meio de uma crença compartilhada: as vivências intensas não apenas prometem renovar a masculinidade, mas também aprimorar a convivência familiar e fortalecer os laços matrimoniais.
Assim como os influencers de outras bolhas, cujos discursos geram ecos de admiração entre seus seguidores sem que o público externo perceba—ou sequer se importe—os Legendários constroem sua própria realidade interna.
Lá, o ato de subir uma montanha deixa de ser apenas um teste físico; torna-se um símbolo de superação pessoal e um momento de forte impacto emocional para as famílias. A imersão nessa experiência, promovida de maneira quase ritualística por meio de pregações e desafios intensos, reforça a sensação de pertencimento àquela bolha exclusiva, onde cada obstáculo vencido é celebrado como um passo para a descoberta do potencial interior.
Essa dinâmica evidencia o poder dos algoritmos das redes sociais, pois, dentro da bolha dos Legendários, as mensagens e os valores promovidos se consolidam como verdades inquestionáveis para um público que, muitas vezes, ignora alternativas como psicoterapia ou outros tipos de tratamento. Em vez disso, os participantes investem grandes quantias em uma promessa de “jornada do autoconhecimento”, que pode também representar uma fuga da realidade.
Virginia e a CPI das Bets
No dia 13 de maio, a influencer Virginia Fonseca prestou depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets, no Senado. A comissão investiga se influencers que divulgaram casas de apostas cometeram atos ilegais.
Virginia, como é conhecida nas redes sociais, tem cerca de 52 milhões de seguidores no Instagram. Empresária, é dona de uma marca de cosméticos, uma agência de influencers e uma grife de produtos infantis. Ganhou notoriedade após namorar o youtuber gamer famoso Rezende e consolidou sua fama com danças em redes sociais, campanhas publicitárias de grandes marcas e, posteriormente, seu relacionamento com Zé Felipe, filho do cantor sertanejo Leonardo.
Porém, mesmo com 52 milhões de seguidores, Virginia ainda era desconhecida por muitas pessoas fora de sua bolha. Ao aparecer na CPI das Bets, muitos se perguntaram: Quem é essa mulher? Por que tanto alvoroço em torno dela? Por que havia senadores querendo tirar fotos com ela, como se fosse uma atriz famosa?
Esse é o poder das bolhas. Elas alienam e fazem com que os seguidores de um determinado influencer acreditem que todo o mundo conhece seu ídolo. Mas o mundo é vasto, e o tempo passa. Em uma era tão fluida, nomes de influencers se misturam na mídia, e novos surgem constantemente.
E a mídia, sem saber exatamente como lidar com esse fenômeno tão moderno e intrínseco a um mundo globalizado e informatizado, transforma tudo em notícia. Muitas vezes, sequer se preocupa em esclarecer quem é quem ou de onde veio. Assume que, por ser famoso dentro de uma bolha, fulano é automaticamente conhecido por todos. Mas não se engane: além de Jesus Cristo e o Diabo, poucos nomes são realmente universais.
Texto escrito por Eliézer Fernandes
Fundador e Editor-chefe do Portal Águia, curioso e questionador por natureza. Fascinado por História e Tecnologia, passa seu tempo livre aprendendo sobre outras culturas, jogando vídeo-game e assistindo episódios perdidos de Star Wars e The Wire.
Revisão por Eliane Gomes
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