Papa Francisco: O meu povo é pobre e eu sou um deles
- Editorial Portal Águia
- 21 de abr.
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Atualizado: 23 de abr.

Essas palavras foram ditas pelo Papa Francisco mais de uma vez para explicar a opção de sua escolha de viver uma vida austera. Ele sempre recomendou aos seus sacerdotes misericórdia, coragem apostólica e portas abertas a todos e expressou que o pior que pode acontecer na Igreja “é o que De Lubac chama de mundanismo espiritual”, que significa “colocar-se no centro”. Ademais, o papa Francisco enfatizou a necessidade de justiça social. Através dela, convida o povo a retomar o catecismo, a redescobrir os dez mandamentos e as bem-aventuranças. É simples seguir a Cristo porque “se você segue a Cristo, você entende que desprezar a dignidade de uma pessoa é um pecado grave”.
O Papa Francisco, de nacionalidade argentina, foi eleito o 266º Papa da Igreja Católica, tornando-se o primeiro a escolher o nome Francisco. Admirador da literatura de Jorge Luis Borges, Leopoldo Marechal e Fiódor Dostoiévski, era também apaixonado por ópera. Reconhecido por seus dons intelectuais e com prestígio no Episcopado argentino, era considerado um moderado entre os prelados mais conservadores e a minoria “progressista”.
Ele demonstrou grande humildade e compaixão ao lavar os pés de pacientes com HIV, compartilhar refeições com os pobres e criticar veementemente o capitalismo, o consumismo e a lógica da economia de mercado. Sem dúvida, ele foi uma figura proeminente em todo o mundo e muito querido em sua diocese, que visitava frequentemente, utilizando até mesmo transportes públicos.
O Papa nasceu na capital argentina, Buenos Aires, em 17 de dezembro de 1936, filho de imigrantes piemonteses. Seu pai, Mario, era contador e trabalhava na ferrovia, enquanto sua mãe, Regina Sivori, cuidava do lar e da educação dos cinco filhos.
SUA HISTÓRIA
Francisco tem um passado de vida fascinante, que combina formação acadêmica, vocação religiosa e um profundo compromisso com os mais necessitados. Jorge Mario Bergoglio nasceu em Buenos Aires, e sua trajetória reflete humildade e dedicação - valores que, sem dúvida, marcaram sua figura icônica desde que assumiu o papado em março de 2013.
Antes de se dedicar à vida religiosa, Jorge Mario Bergoglio demonstrou interesse pelo conhecimento prático. Ainda jovem, obteve o diploma de técnico químico e trabalhou em um laboratório de controle de higiene alimentar, etapa pouco conhecida de sua vida, mas que evidencia sua versatilidade. No entanto, seu caminho sofreu uma reviravolta importante em 1953, quando, após rezar e confessar-se na paróquia de San José de Flores, sentiu o chamado à vocação sacerdotal.
Sua vocação religiosa o levou a ingressar na Companhia de Jesus, a ordem dos Jesuítas, em 1958, aos 21 anos. Concluiu seus estudos de humanidades no Chile e, em 1963, ao retornar à Argentina, formou-se em Filosofia pelo Colégio San José, em San Miguel. Entre 1964 e 1965, foi professor de Literatura e Psicologia no Colégio da Imaculada, em Santa Fé, e, em 1966, lecionou as mesmas matérias no Colégio do Salvador, em Buenos Aires.
De 1967 a 1970, estudou Teologia no Colégio San José, onde obteve o bacharelado. Posteriormente, aprofundou sua formação acadêmica estudando Filosofia e Teologia no prestigiado Colégio Máximo de San Miguel, em Buenos Aires. Essa trajetória evidencia sua sólida formação acadêmica, sua vontade de estudar e de se superar, características que o prepararam para ingressar na Companhia de Jesus, onde foi ordenado sacerdote em 1969.
SEU INÍCIO NA ARGENTINA
Em 13 de dezembro de 1969, Jorge Mario Bergoglio recebeu a ordenação sacerdotal pelas mãos do Arcebispo Ramón José Castellano. De 1970 a 1971, continuou sua formação na Companhia de Jesus em Alcalá de Henares, na Espanha, e em 22 de abril de 1973 emitiu sua promessa perpétua, tornando-se um jesuíta de pleno direito. Ao retornar à Argentina, atuou como mestre de noviços em Villa Barilari, San Miguel, e professor na Faculdade de Teologia, e consultor da província da Companhia de Jesus e reitor do Colégio.
Em 31 de julho de 1973, foi eleito provincial dos Jesuítas da Argentina, cargo que ocupou por seis anos. Posteriormente, retomou o trabalho no meio universitário e, entre 1980 e 1986, foi novamente reitor da Escola de São José, além de pároco da igreja de São Miguel. Em março de 1986, mudou-se para a Alemanha para concluir sua tese de doutorado. Após essa etapa, seus superiores o designaram ao Colégio do Salvador, em Buenos Aires, e posteriormente à igreja da Companhia, na cidade de Córdoba, onde atuou como diretor espiritual e confessor.
Além disso, Jorge Mario Bergoglio foi chamado como colaborador próximo em Buenos Aires pelo Cardeal Antonio Quarracino. Em 20 de maio de 1992, João Paulo II nomeou-o bispo titular de Auca e auxiliar de Buenos Aires. No dia 27 de junho, recebeu a ordenação episcopal do cardeal na catedral.
Sua primeira entrevista como bispo foi a um pequeno jornal paroquial, o “Estrellita de Belén”. Logo após, foi nomeado vigário episcopal da área de Flores, além de assumir o cargo de vigário geral da arquidiocese. Assim, não foi surpresa que tenha sido promovido a arcebispo coadjutor de Buenos Aires.
Nove meses após a morte do cardeal Quarracino, em 28 de fevereiro de 1998, Bergoglio o sucedeu como arcebispo primaz da Argentina. Posteriormente, em 6 de novembro do mesmo ano, foi nomeado Ordinário dos fiéis de rito oriental residentes no país e que não possuíam Ordinário do próprio rito.
Em outubro de 2001, Jorge Maio Bergoglio foi nomeado vice-relator geral da décima assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos, dedicada ao ministério episcopal. Essa missão foi recebida de última hora, como substituto do cardeal Edward Michael Egan, arcebispo de Nova Iorque, cuja presença foi necessária em seu país devido aos ataques terroristas de 11 de setembro. Durante o Sínodo, destacou-se ao enfatizar o papel de “ser profeta da justiça” e “expressar um julgamento autêntico em matéria de fé e moral”. Enquanto isso, sua figura tornava-se cada vez mais popular na América Latina.
Neste espírito, em 2002, recusou a nomeação para presidente da Conferência Episcopal Argentina. No entanto, três anos depois, foi eleito para o cargo e posteriormente reconfirmado para mais um mandato de três anos, em 2008. Em abril de 2005, participou do conclave que resultou na eleição de Bento XVI.
Como arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio idealizou um projeto missionário centrado na comunhão e evangelização, com quatro objetivos principais: promover comunidades abertas e fraternas; incentivar o protagonismo de um laicato consciente; realizar a evangelização direcionada a cada habitante da cidade; e prestar assistência aos pobres e doentes. O objetivo era claro: reevangelizar Buenos Aires, unindo sacerdotes e leigos para trabalharem juntos.
Em 2009, lançou a campanha de solidariedade nacional em celebração ao bicentenário da independência do país: duzentas obras de caridade a serem realizadas até 2016. Além disso, foi membro de diversas Congregações, como as para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para o Clero, para os Institutos de Vida Consagrada e para as Sociedades de Vida Apostólica. Também integrou o Pontifício Conselho para a Família e da Pontifícia Comissão para a América Latina.
COMO CHEGOU AO VATICANO?

Em 13 de março de 2013, após a renúncia do Papa Bento XVI, Jorge Mario Bergoglio foi eleito o 266º Papa da Igreja Católica, tornando-se o primeiro papa latino-americano e o primeiro a escolher o nome Francisco. A escolha desse nome não foi uma mera homenagem a São Francisco de Assis, o santo italiano do século XIII conhecido pelo seu amor aos pobres, sua simplicidade e respeito pela natureza. Este gesto simbolizou o tipo de papado que Francisco desejava encarnar: uma Igreja mais humilde e profundamente comprometida com as causas sociais.
O PAPADO REVOLUCIONÁRIO DA CASA SANTA MARTA
Sua chegada ao Vaticano teve um marco significativo, distinguindo-se por seu estilo simples e por seu foco em questões como a pobreza, o meio ambiente e a inclusão. Um exemplo claro disso foi a encíclica social Laudato si', fruto de sua participação em acordos internacionais. Essa encíclica é um convite à reflexão sobre o cuidado do nosso planeta e de todos os seus habitantes.
Além disso, Francisco ajudou a estabelecer um estilo diferente em relação aos seus antecessores, rompendo com diversas tradições papais. Ele optou por viver na Casa Santa Marta, a residência do clero no Vaticano, em vez do Palácio Apostólico, reforçando seu compromisso com a simplicidade e a humildade.
O aspecto revolucionário do Papa Francisco ficou evidente quatro meses após sua eleição. Durante um voo de retorno de sua primeira viagem papal ao exterior, para o Brasil, ele afirmou: “Se alguém é gay e busca o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-lo?”
Embora não tenha se afastado da doutrina da Igreja, que se opõe à homossexualidade, Francisco adotou um tom mais compassivo em comparação aos seus antecessores, alguns dos quais até evitavam mencionar a palavra “gay”.
O Papa Francisco também abordou questões que estavam sendo solicitadas por uma parte da sociedade. Até então, os bispos, considerados “príncipes da Igreja” e soberanos em suas dioceses, só podiam ser sancionados diretamente pelo papa. No entanto, nenhum pontífice havia confrontado publicamente ou rebaixado bispos. Apesar da remoção de cerca de 850 padres do sacerdócio por abuso sexual e da punição de mais 2500 padres, não existia um mecanismo semelhante para responsabilizar os bispos.
Francisco aprovou a criação de um tribunal para julgar bispos acusados de encobrir ou negligenciar casos de abuso sexual de crianças por parte de padres. Essa decisão, inquestionavelmente, respondeu às demandas das vítimas e marcou um momento chave desde sua chegada ao Vaticano.
Outra das decisões do Papa Francisco que impactaram profundamente a vida espiritual dos fiéis foram suas declarações sobre o matrimônio e o divórcio. No site oficial da Santa Sé, são publicados fragmentos da Sagrada Escritura acompanhados das reflexões do Papa. A esse respeito, Francisco citou passagens do Evangelho, afirmando que “o ensinamento de Jesus é muito claro e defende a dignidade do matrimônio como união de amor que implica fidelidade. O que permite aos cônjuges permanecerem unidos no matrimônio é um amor de doação recíproca, sustentado pela graça de Cristo”.
Ele também destacou que “o homem e a mulher, chamados a viver a experiência da relação e do amor, podem fazer gestos dolorosos que a colocam em crise. (...) O modo de agir do próprio Deus com o seu povo infiel – isto é, conosco – ensina-nos que o amor ferido pode ser curado por Deus através da misericórdia e do perdão”. Neste sentido, o Papa recordou que os filhos necessitam dessa unidade familiar de “pai e mãe juntos”, enfatizando que “os filhos sofrem muito quando essa unidade é quebrada. Quanto sofrem os filhos de pais que se separam”.
De fato, o Papa Francisco destaca que a unidade no matrimónio não é “fácil de alcançar”, especialmente no mundo de hoje. Contudo, ele enfatiza: “Esta é a verdade das coisas tal como o Criador as concebeu e, portanto, está na sua natureza”
QUAL É O SEU LEGADO?
O legado de Francisco pode ser observado nas encíclicas que escreveu, em suas decisões consideradas revolucionárias por alguns e nas duas reformas que solicitou recentemente.
Em relação às encíclicas, a primeira, Lumen Fidei, foi escrita em parte por seu antecessor, o Papa Bento XVI. Em 2015, Francisco publicou Laudato si`, que aborda questões de ecologia, e, em 2020, lançou Fratelli tutti, focada na fraternidade universal.
Recentemente, com a saúde cada vez mais comprometida e buscando fortalecer as estruturas que garantiriam a continuidade de suas reformas mesmo após a sua partida, o Papa Francisco deu prioridade à consolidação dessas mudanças. Um exemplo foi a nomeação de figuras-chave, como a Irmã Raffaella Petrini, que se tornou a primeira mulher a ocupar o cargo de governadora da Cidade do Vaticano, marcando um passo significativo no processo de modernização da Igreja no século XXI.
Outra medida importante foi a prorrogação do mandato do Cardeal Giovanni Battista Re, de 91 anos, como Decano do Colégio Cardinalício, assim como a continuidade de seu vice, o cardeal argentino Leonardo Sandri, de 81 anos, nomeado por Francisco no início de fevereiro. Estas decisões, tomadas pelo Papa sem a intervenção dos cardeais na escolha de um novo decano, tiveram implicações políticas de grande impacto.
CONSIDERAÇÃO FINAL
Ao longo de seu papado, Francisco buscou modernizar a Igreja Católica. Desde sua chegada ao Vaticano promoveu uma abordagem mais inclusiva, abordando questões como a participação das mulheres em cargos de liderança na Igreja, o reconhecimento da comunidade LGBTQIA+, e a decisão de viver uma vida mais austera. Ele também destacou a importância da justiça social, com foco na pobreza, no meio ambiente e na inclusão, além de enfatizar a urgência de cuidar do planeta e de todos os seus habitantes. Essas ações refletiram sua vontade de promover mudanças através da reflexão.
Suas ideias e gestos, como o Culto solo para orar pelas pessoas afetadas pelo coronavírus, conquistaram tanto seguidores quanto detratores ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, enfrentou oposição constante de setores conservadores. Contudo, como ele mesmo expressou certa vez: “A oração e o serviço silencioso são nossas armas vencedoras”.
Editorial Portal Águia
Revisão por Eliane Gomes
Edição por João Guilherme V.G
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