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Foto do escritorMatheus Noronha

Cabeças e Coroas Cortadas: Quando o passado bate à porta

As Olimpíadas de Paris começaram, e sua abertura é motivo de muita polêmica, mas também de muitas apresentações surpreendentes. Entre elas  destaca-se  a banda de death metal Gojira, que se tornou a primeira banda de metal a tocar numa cerimônia de abertura olímpica.

Maria Antonieta representada por uma mulher decapitada e de vestido vermelho durante abertura das Olimípadas
Imagem de representação de Maria Antonieta durante abertura das Olimpíadas

Foi uma das maiores atrações da abertura das Olimpíadas e despertou a admiração do mundo todo com uma versão pesada da canção popular da Revolução Francesa “Ça Ira”, cujo tema  lírico trata da condenação dos aristocratas e do fim da opressão. No início da  performance, Maria Antonieta foi decapitada, interpretada pela cantora de  ópera suíça Marina Viotti, que recitou a canção às margens do Rio Sena.

Demônios no céu cantam "Ça ira" como a lâmina da guilhotina corta a cabeça do  Rei Luís XVI - 21 de janeiro de 1793
Demônios no céu cantam "Ça ira" como a lâmina da guilhotina corta a cabeça do Rei Luís XVI - 21 de janeiro de 1793

Dentro desse cenário, a internet apontou um meme da suposta reação do rei Felipe VI da Espanha ao assistir à cena de Maria Antonieta segurando a  própria cabeça. De forma cômica, isso nos faz pensar na relação entre a  monarquia e a história no contexto contemporâneo.


A rainha decapitada


Maria Antonieta (1755-1793), austríaca filha de Francisco I e Maria Teresa. Em  1770, ela se casou com Luís-Augusto, futuro rei da França Luís XVI, para selar  aliança entre as nações. Maria Antonieta subiu ao trono como rainha em 1774  e teve muita dificuldade em se adaptar à vida da corte francesa.

Quadro ilustrativo de homem segurando a cabeça decapitada de Maria Antonieta
Fonte Wikipédia

Buscando consolo em um estilo de vida extravagante, arruinou sua reputação e, entre muitas circunstâncias, tornou-se odiada pelo povo, o que a levou à queda  durante a Revolução Francesa. Maria Antonieta foi presa, julgada e morreu na

guilhotina em 16 de outubro de 1793. Stefan Zweig retrata em seu livro “Maria Antonieta – Retrato de uma mulher comum”, uma figura trágica, símbolo da queda da monarquia francesa e do fim de uma era.


Tudo em família


É curioso pensar que a relação de Maria Antonieta com a família real espanhola é mais do que meramente simbólica; é genealógica. A rainha  decapitada, esposa de Luís XVI, descende de Luís XIV, trisavô de Filipe V, o qual foi o primeiro Bourbon a reinar na Espanha.


Felipe VI, atual rei, é  descendente direto da linhagem dos Bourbon por parte de seu pai, Juan Carlos I. Portanto, Maria Antonieta tem relações familiares com a família francesa por diversos ramos bem descritos no “Almanaque de Gotha, guia de referência da alta nobreza e das famílias reais.


Rei Felipe VI trajando roupas reais
Rei Felipe VI - Fonte: Portal Terra

É quase cômico imaginar que o parentesco pode acrescentar reações emocionais ao rei que estava diante de um show que exalta e satiriza a morte de sua tia-avó de oitavo grau. No final das contas, a dramatização histórica é uma reencenação de um momento trágico na história na família de Felipe VI.  Esse evento representou não só o fim da vida da rainha dos franceses, mas também a queda de um ramo da monarquia durante a Revolução Francesa. 

Poderia essa representação ser um lembrete doloroso das vulnerabilidades e crises que a monarquia enfrentou ao longo dos séculos? Como manter a  legitimidade, apoio popular ou a ilusão de utilidade da monarquia e seu papel  de relevância no mundo moderno? 

“Segura a cabeça se não a coroa cai”


A popularidade da família real espanhola varia, e existem várias razões para  isso. Alguns membros da família se envolveram em escândalos, o que  enfraqueceu sua popularidade, que, comparada com outras famílias reais, nunca  foi alta. O escândalo mais significativo envolveu o pai de Felipe VI, o rei  emérito Juan Carlos I, que foi acusado de corrupção e desvio de dinheiro e, finalmente, teve que abdicar em 2014.


A relevância histórica da monarquia na sociedade contemporânea da Espanha  é frequentemente contestada, especialmente em um contexto político e social  que exige maior transparência das instituições. Muitos percebem a monarquia como uma relíquia de um passado autoritário, argumentando que sua  existência é incompatível com os princípios democráticos, principalmente em  um cenário de crescente desigualdade econômica e a desilusão com a classe política.


Por meio da arte, as figuras históricas podem ser ressignificadas. Segundo  Friedrich Hegel em Lições de Estética:


“A arte é o pensamento refletido, é  através dela que o espírito se manifesta.”

Dessa forma, Gojira não é apenas uma banda de música, mas uma voz que fala com as ansiedades e demandas  da sociedade hoje.



Texto escrito por Matheus Noronha

Formado em Mecânica Aeronáutica, estudante de Engenharia de Automação e Controle pela Universidade São Judas. Um amante da ciência e literatura e curioso por essência.



Revisão por Eliane Gomes

Edição por Felipe Bonsanto


 

Bibliografia




https://www.diariocarioca.com/cultura/musica/gojira-e-marina-viotti-fazem apresentacao-epica-na-abertura-das-olimpiadas/ 


https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/09/rei-emerito-juan-carlos-que renunciou-em-meio-a-escandalo-aparece-com-filho-no-funeral-de-elizabeth ii.ghtml 


Livro: Maria Antonieta, retrato de uma mulher comum Stefan Zweig



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