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“O Agente Secreto”: Arte, Memória e Ditadura na América Latina

“O Agente Secreto”, filme brasileiro de Kleber Mendonça Filho lançado em 2025, é um thriller político ambientado em Recife, no ano de 1977, durante a ditadura militar. Estrelado por Wagner Moura, cuja atuação intensa lhe rendeu o prêmio de Melhor Ator em Cannes, e dirigido por Mendonça Filho, vencedor de Melhor Diretor, o longa constrói uma narrativa envolvente que examina a opressão política, a vigilância estatal e a resistência diante do autoritarismo. Com estética refinada e performances poderosas, o filme oferece um retrato sensível da sociedade brasileira em uma de suas épocas mais sombrias, explorando temas como memória, trauma e coragem.


Wagner Moura vestido com uma camisa azul desabotoada ao lado de um carro amarelo. A paisagem ao fundo parece ser uma plantação
Divulgação/Vitrine Filmes

Temática e Contexto Histórico


Ambientado durante o governo de Ernesto Geisel, o filme retrata um Brasil em processo de “abertura lenta e gradual”, ainda marcado por censura, vigilância e perseguições políticas. Essa atmosfera de repressão ecoava por toda a América Latina: na Argentina, a Junta Militar liderada por Jorge Rafael Videla promovia a chamada “Guerra Suja”, caracterizada por desaparecimentos em massa e terrorismo de Estado; no Chile, Augusto Pinochet consolidava um regime personalista após o golpe contra Salvador Allende, marcado por prisões arbitrárias e torturas sistemáticas. Em comum, esses governos justificavam sua violência como uma defesa contra o avanço do comunismo, criando um cenário regional de autoritarismo sincronizado.


Por trás dessas ditaduras pairava a sombra da Guerra Fria e a influência direta dos Estados Unidos. Washington apoiou golpes e regimes militares como parte da Doutrina de Segurança Nacional, fornecendo treinamento, suporte logístico e, em muitos casos, tolerando - ou mesmo incentivando - práticas repressivas. A Operação Condor, rede secreta que articulou Brasil, Argentina, Chile e outros países, exemplifica essa cooperação transnacional voltada à eliminação de opositores. No filme, essa dimensão global aparece como pano de fundo: a paranoia do protagonista não é apenas local, mas resultado de um sistema continental de vigilância e violência. A narrativa lembra ao espectador que decisões tomadas em gabinetes distantes moldaram vidas comuns em Recife, Buenos Aires e Santiago.


Paralelos com o Presente


Décadas depois, Brasil, Argentina e Chile são democracias, mas ainda carregam as marcas dos anos de chumbo. No Brasil, a transição sem punição aos militares deixou espaço para discursos autoritários, que ressurgiram em crises recentes, como durante o governo Bolsonaro. Na Argentina, apesar dos julgamentos históricos e da cultura do “Nunca Más”, o negacionismo voltou ao debate com declarações do presidente Javier Milei, que relativiza os crimes da ditadura. No Chile, a tentativa de substituir a Constituição herdada de Pinochet representa avanços, mas também revela divisões profundas sobre memória e justiça.


A força de “O Agente Secreto” está em transformar fatos históricos em experiência sensorial. A direção de Kleber Mendonça Filho, com sua estética precisa e crítica social, aliada à atuação visceral de Wagner Moura, dá vida a um Brasil sufocado pelo medo. Ao mesmo tempo, o filme dialoga com questões universais: até que ponto estamos dispostos a sacrificar liberdade em nome de segurança? Como lidar com memórias dolorosas sem permitir que elas se repitam? Em tempos de polarização e revisionismo, essa obra reafirma o papel do cinema como instrumento de memória e resistência.


Texto escrito por Gustavo Longo

Atuante na área da tecnologia há vinte anos, conciliador, curioso, disposto e apaixonado em sempre ajudar as pessoas, além de crente no poder transformador da Educação. Nas horas vagas, busca aprender sobre mercado de ações e em descobrir curiosidades do mundo do cinema através do canal Youtube Faro Frame. Acaba de iniciar um projeto pessoal com sua esposa para viajar e "viver" como um cidadão local em cada capital brasileira por 30 dias nos próximos anos.



Revisão: Eliane Gomes

Edição: João Guilherme V. G.


Referências


“The Secret Agent” Review – Wagner Moura em Thriller Brasileiro no Festival de Cannes (Deadline)https://deadline.com/2025/05/the-secret-agent-review-wagner-moura-brazilian-thriller-cannes-film-festival-1236402956/


“The Secret Agent” Review: Wagner Moura em Intensíssimo Thriller Político (The Hollywood Reporter)https://www.hollywoodreporter.com/movies/movie-reviews/the-secret-agent-review-wagner-moura-kleber-mendonca-filho-1236220752/


“The Secret Agent” – Imersão Visual e Memória Histórica (Variety) https://variety.com/2025/film/reviews/the-secret-agent-review-o-agente-secreto-1236402205/


“The Secret Agent” Review – Análise por Cineuropa https://cineuropa.org/en/newsdetail/477650


Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade – Volume III (Mortos e Desaparecidos Políticos) https://www.gov.br/memoriasreveladas/pt-br/assuntos/comissoes-da-verdade/volume_3_digital.pdf


Operação Condor – página da Wikipédia (inglês) https://en.wikipedia.org/wiki/Operation_Condor


Operação Condor: o que foi, objetivos, fim, resumo – Brasil Escola https://brasilescola.uol.com.br/historia-da-america/operacao-condor.htm


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