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O fiasco da COP29 pode se repetir no Brasil

Atualizado: 3 de out.

Não consigo nem dormir com esse calor insuportável. Não me lembro de ter passado tanto calor assim na minha vida!

Foi esse o desabafo de uma senhora na fila do supermercado.


Naquele instante, lembrei-me que justamente naquele ano, a Conferência do Clima da ONU (COP29) havia se revelado um fracasso monumental, marcada pelo cinismo e pelas incontáveis manobras de bastidores em um dos maiores poluentes do planeta: os países desenvolvidos.


A escolha de Baku, capital do Azerbaijão, como sede da COP29 gerou críticas por tratar-se de um dos chamados “petroestados”. A economia azerbaijana depende fortemente do gás e do petróleo, que juntos representam mais de um terço do PIB nacional. Ainda que as polêmicas em torno dessa decisão pudessem ter sido amenizadas pelo corpo diplomático do país anfitrião, a decisão de não confrontá-las pareceu uma mensagem clara aos críticos; a emergência climática não deve ser tratada como responsabilidade exclusiva de um grupo restrito de nações e sim de todos. É isso também que estabelece o Acordo de Paris, ao reforçar o princípio da equidade e das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.


Foto com os lideres mundiais presentes na COP 29 em frente ao painel com o simbolo da United Nations Climate Change.
Líderes mundiais na COP29 no Azerbaijão. Foto: Alexander Nemenov/AFP

O caminho, no entanto, esteve longe de ser linear. Ao longo do evento, os erros se acumularam tanto no campo político quanto na condução das negociações. Em determinado momento o presidente azerbaijano, Ilham Aliyev, chegou a declarar que o petróleo e o gás eram uma “dádiva de Deus” e a declaração acirrou ainda mais as tensões entre os representantes dos diversos países ali presentes, sobretudo diante da expectativa de um novo compromisso global para reduzir as emissões de gases de efeito estufa - o que acabou não se concretizando.


Ativistas com as bocas tapadas por um esparadrapo com uma mensagem: "Pay Up!"
Ativistas protestam na COP29 - Foto: Murad Sezer/ Reuters

Não foi apenas o anúncio do novo compromisso global para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que deixou de acontecer: a COP29 se tornou um acúmulo de expectativas frustradas. A apatia no aprofundamento das discussões foi perceptível, tanto durante quanto após o evento. Alguns representantes de nações em desenvolvimento denunciaram como uma “flagrante violação da justiça climática” a decisão de destinar por ano, até 2035, o valor de US$ 300 bilhões para financiar ações climáticas em países em desenvolvimento, valor muito aquém do solicitado.


Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, sintetizou em suas palavras a gravidade do fracasso da Conferência:


O acordo de financiamento fechado em Baku distorce e subverte qualquer conceito de justiça. Com a ajuda de uma presidência incompetente, os países desenvolvidos conseguiram mais uma vez abandonar suas obrigações e fazer os países em desenvolvimento literalmente pagarem a conta.

Os países desenvolvidos, que lideram o ranking mundial de poluição, pareciam ter comparecido à COP29 apenas para cumprimento protocolar para demonstrar publicamente uma preocupação que, na prática, não se refletiu nos acordos, ou na ausência deles. Essa percepção foi não apenas registrada por especialistas presentes, mas também ecoada pelos milhares de ativistas que protestavam nos arredores do evento.


Ainda assim, houve um avanço: após nove anos de impasses, foi finalmente apresentada a proposta de uma estrutura para comércio e crédito de carbono entre os países.


O resultado final da COP29 decepcionou, e o Brasil, anfitrião da COP30, recebeu a responsabilidade de assumir parte das pendências não resolvidas pela conferência anterior. Há quem acredite que a diplomacia brasileira será capaz de avançar em discussões delicadas e constantemente postergadas nas edições anteriores. No entanto, um fator importante pesa sobre o futuro das negociações no evento: a presença dos Estados Unidos, que até o fechamento desse artigo segue incerta.


Resta a dúvida essencial: é possível debater o futuro do clima sem a presença do segundo maior emissor de CO₂ do mundo à mesa de negociações?


Leia mais sobre a COP 30 no Portal Águia


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Katiane Bispo, é feminista, formada em Relações Internacionais com especialização em Políticas Públicas e Projetos Sociais. Já atuou em inúmeros projetos de defesa aos Direitos Humanos, Gênero e Educação. Uma curiosa por essência e teimosa por sobrevivência. É podcaster no programa "O Historiante", colunista no Portal Águia.

Instagram: @uma_internacionalista



Revisão: Eliane Gomes

Edição: João Guilherme V. G.


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