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Refugiados: a escolha por continuar a viver

Atualizado: 23 de abr. de 2023


Pessoas marchando rumo a Europa.
Pessoas marchando rumo a Europa. Foto: Getty Images

“Migrantes e refugiados estão enfrentando três crises de uma vez: socioeconômica, de saúde e de proteção”, essa contundente frase foi dita pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, em junho de 2020 ao fazer um apelo aos países de todo o mundo para que encarassem a questão migratória como uma crise humanitária e que acolhessem essas pessoas de modo mais fraterno, relatando inúmeras denúncias de xenofobia e violência em todo o mundo.


Estamos vivendo a maior crise migratória da história recente desde o fim da fatídica Segunda Guerra Mundial, e isso exigirá dos Estados maior sensibilidade ao tema de modo que possam acolher essas pessoas em seu território e não somente o acolhimento como dar a elas uma possibilidade de construir suas vidas. Ser um imigrante não é algo simples, exige uma adaptação à cultura e costumes daquele novo país, mas pressupõem que inicialmente essa condição não é de modo abrupto como acontece com os refugiados.


De modo simplificado, o refúgio pressupõe um deslocamento a outro Estado para manutenção de sua vida (e de sua família). O deslocamento do refugiado é abrupto, e em muitos casos pode ser visto até mesmo como forçado, pois se desloca por temor de perseguição causada motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais. Retornar ao seu país de origem muitas vezes não é recomendável por correr riscos graves a sua integridade física ou a garantia da sua vida.


Perfil do refugiado no Brasil

Fronteira entre Brasil e Venezuela.
Fronteira entre Brasil e Venezuela. Foto: Joédson Alves. Fev/2019

O Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão colegiado do Ministério da Justiça e Segurança Pública, é quem trata das questões sobre os refugiados no Brasil. Em dezembro de 2021, divulgou pela primeira vez uma base geral com dados que podem ajudar a identificar o perfil dos refugiados (e requerentes do status de refúgio) no Brasil.


Os estados do norte do país têm recebido o maior número de requisição do status de refúgio devido à proximidade da sua fronteira com a Venezuela. Enquanto o estado de Roraima segue na liderança com mais de 40.974 requisições, o Amazonas com 10.317 requisições, e em seguida São Paulo com 8.433, o único estado sudestino do pódio e justificável por ser o estado com maior capital econômico do país.


O Brasil deferiu cerca de 54.004 solicitações de refúgio até dezembro do ano passado, totalizando 71,8% das requisições, e indeferiu cerca de 8.990 o que representa 12%, um percentual baixo considerando a quantidade final. Os países que mais têm solicitante de refúgio são Venezuela e Senegal que somam quase 80%. Em seguida vem Haiti, Síria, Angola, Cuba e a República Democrática do Congo.


A maior parte dos refugiados possuem entre 18 a 59 anos, onde 38.656 deles possuem de 30 a 59 anos, mas há muitos jovens entre 18 e 30 anos também, cerca de 29.145. O que nos mostra que o perfil dos refugiados é formado em maioria por adultos e jovens, e em sua maioria homens, 46.598 e cerca de 28.615 mulheres.


O motivador da condição de refúgio da esmagadora maioria é a chamada grave generalizada, que faz alusão ao inciso III do art. 1º da Lei nº 9.474, de julho de 1997, do Estatuto dos Refugiados onde será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”.


Para ajudar a conduzir melhor sobre o tema deste artigo convidei Rodrigo Borges Delfim, fundador do site MigraMundo, para falar sobre migração, refúgio e o papel do jornalismo independente com um importante ator ao trazer o assunto como pauta.


O MigraMundo foi fundado em 2012 como resultado de uma curiosidade que permeou toda a infância de Rodrigo, que cresceu em um bairro com muitos imigrantes. Mas foi só na universidade que “descobriu” que a migração tinha mais recortes e conheceu outras comunidades além das que estava habituado na infância, como os bolivianos, chilenos e lituanos na cidade de São Paulo.


Falar sobre refúgio (e migração) exige por si só uma grande empatia da condição da pessoa que se encontra naquela situação e o trabalho de falar sobre o tema para Rodrigo também é muito importante: “(o) jornalista precisa ter consciência dos impactos que o trabalho dele vai ter no seu público e na comunidade” e complementa falando do trabalho que abordar esse tema teve em sua vida, sobretudo no início do MigraMundo quando o site estava apenas começando pois ainda era um projeto pessoal que exigia dele suas horas livres para manter o site no ar e atualizado. O MigraMundo hoje é considerado uma grande fonte de consulta quando o assunto é migração não se limitando apenas a São Paulo, mas em todo o país. Rodrigo reconhece o esforço de manter o site e acredita no trabalho que realiza com o MigraMundo como um jornalismo humanitário de paz.


Migrar é um direito humano

Operação de emergência em Zombo entre Uganda e a República Democrática do Congo (RDC).
Operação de emergência em Zombo entre Uganda e a República Democrática do Congo (RDC). Foto: ACNUR. Julho/2020.

Os fluxos migratórios fazem parte da história da raça humana. Sem a migração de nossos ancestrais, nossa espécie estaria extinta. O pesquisador Víctor Moreno, pós-doutorado do Centro de Geogenética da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, contou em uma entrevista realizada pela BBC News Mundo que “os humanos anatomicamente modernos deixaram a África há pelo menos 100 mil anos e começaram a se espalhar. E em algum momento depois de 40 mil anos, os humanos desenvolveram a tecnologia necessária para começar a explorar mais ao norte” e que sem essa migração provavelmente nossa vida no planeta em muitas áreas simplesmente não existiria.


Não surpreende o fato de que falar de migração com o entendimento de Estados modernos cause tanta estranheza e até mesmo medo, pois vivemos a Era Moderna das delimitações geográficas de linhas que se criaram no decorrer da história, mas que não delimita em si a vida humana no planeta. Os mapas que costumamos desde cedo visualizar nas nossas aulas de Geografia e História representam uma divisão muitas vezes políticas dos territórios, mas que não contam em sua totalidade a raiz daqueles espaços geográficos recortados por linhas imaginárias, no qual destaca Rodrigo: “a migração é um fenômeno social e parte do ser humano, não devemos enxergar a migração de modo nacionalista, securitário e xenofóbico”.

Recomeçar a vida longe da sua pátria-mãe não é fácil. Não é raro ouvir histórias de refugiados que saíram de seus países de origem somente com a roupa que estavam usando e deixando toda sua história para trás. Não apenas sua história como, seus documentos, sua profissão, sua rede de apoio e em muitos casos até mesmo sua família.

Não bastasse o cenário de readaptação de modo abrupto, outro retrato vivido por alguns refugiados é o racismo vivido, pois “o povo preto e periférico é visto como marginal. Os haitianos, por sua vez, são vistos de forma ainda pior (...) um imigrante, originário de algum país europeu, por exemplo, será muito bem-vindo, porque é branco. O que possui origem negra, não”, conta o professor doutor na Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), José Ailton Rodrigues dos Santos. A morte do refugiado congolês Moïse Kabagambe (24), no Rio de Janeiro, no início deste ano é um retrato de como o comportamento a determinadas raças pode ser motivo relevante para um tratamento pior, e infelizmente no caso de Moïse, até mesmo fatal. O tratamento destinado a povos não-cristãos também costuma ser motivo de muito preconceito a quem escolhe o Brasil para se refugiar, como exemplo os afegãos que chegaram no país no ano passado, fugindo do seu país de origem com a tomada do poder político pelo Talebã.


Recorrendo às teorias das Relações Internacionais para entender esse fenômeno que desafia não apenas a área econômica dos Estados, mas também a visão Realista predominante no cenário internacional, onde os países precisam garantir antes de mais nada seu poder e força e menos valores mais Idealistas como a cooperação e acolhimento, talvez faça-se necessário resgatar o apelo de Guterres, com qual iniciei este artigo, e olhar a fraternidade para além de linhas imaginárias e mais como raça humana, que migra seja por necessidade, seja por opção. Como nos lembra Rodrigo “a mobilidade humana é uma janela para o mundo, onde você aprende muito sobre o mundo a partir da circulação das pessoas”.

Notas de agradecimento ao Rodrigo Borges Delfim pela disponibilidade em colaborar com este artigo. O MigraMundo trabalha com jornalismo independente e convidamos a todas e todos conhecerem o trabalho realizado por eles. Para mais informações sobre migração. Site: Home | MigraMundo

Texto escrito por Katiane Bispo

Formada em Relações Internacionais e especialista em Políticas Públicas e Projetos Sociais. É podcaster no para “O Historiante”, colunista no jornal “Zero Aguia” e integrante do “Projeto Líbertas”. Instagram: @uma_internacionalista.

 

Bibliografia





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