Entre Mundos: as dores e delícias de ser imigrante
- Caroline Prado
- há 32 minutos
- 5 min de leitura

Muitas vezes, quando falamos sobre imigrantes, vemos situações extremas: tragédias como deportações nos Estados Unidos, filhos sendo separados dos pais, pessoas que construíram uma vida em determinado lugar sendo obrigadas a deixar tudo para trás. Por outro lado, também vemos histórias de sucesso: pessoas se dando bem, trabalhando, estudando, seguindo a vida que escolheram.
Mas há um ponto pouco discutido dentro desse tema: a divisão entre mundos e as consequências emocionais - tanto positivas quanto negativas - de ser um “ser imigrante”. Nesse artigo, vamos refletir sobre as dores e as maravilhas dessa jornada emocional que é imigrar.
A decisão de sair de seu ninho
Quando uma pessoa decide sair do seu país, seja pelo motivo que for, é preciso muita coragem. Lidar com outro idioma, outros costumes, outras burocracias, outras pessoas… com outro “tudo”. Por isso, essa decisão não deve ser tomada por raiva, após uma briga ou no impulso do famoso “não aguento mais esse lugar” - esses não são os motivos certos. No país de destino, certamente haverá problemas iguais ou até maiores para enfrentar.
Além disso, é fundamental se preparar para partir. Informar-se sobre a documentação necessária, a validade do visto ao chegar, as possibilidades de emprego (se é permitido trabalhar ou não), estudar, e se o país é receptivo com estrangeiros, entre outros aspectos importantes.
A preparação financeira também é indispensável. Sim, sabemos o quanto é desafiador no cenário atual, mas sair do país exige planejamento econômico sólido.
E claro, há a preparação psicológica. Ficar um tempo indeterminado longe da família e dos amigos nunca é fácil.
Rumo ao desconhecido

Temos que ter em mente que, ao sairmos do nosso país, por mais que pesquisemos e nos sintamos preparados para enfrentar a nova realidade, inevitavelmente vamos nos deparar com o desconhecido. Há aprendizados que só vêm com a prática do dia a dia: o preço do café, determinadas palavras no mercado, gírias e maneirismos - tudo é muito novo.
É essencial estarmos de coração aberto para acolher essa nova cultura. Quando saí do Brasil, recebi um conselho valioso de um colega de trabalho: respeite a cultura e os modos locais, evite comparações com o seu país e mantenha o peito aberto ao novo.
Foi algo muito importante de ouvir - e levo isso para a vida, aconselhando outras pessoas que estão se tornando imigrantes.
Saudade - uma palavra brasileira que conecta
A palavra saudade é amplamente conhecida por não ter uma tradução exata. Na verdade, o único idioma que conheço que possui algo semelhante é o alemão, com a palavra Sehnsucht. Ainda assim, nenhuma expressão consegue traduzir por completo esse sentimento que acompanha o imigrante todos os dias.
Mesmo quando a escolha de imigrar é voluntária e consciente, ela carrega consigo um lado mais sensível. Situações simples - como estar em um lugar que nos lembra alguém querido, provar uma comida que remete a um momento especial, ou ouvir uma música que desperta lembranças - fazem o coração apertar. E muitas vezes, não conseguimos ligar para a pessoa naquele momento: seja por causa do fuso horário, da rotina atribulada dela, ou de outros impedimentos.
Com o tempo, o imigrante aprende a fazer da saudade uma companheira. Aprende a vê-la não como algo que machuca, mas como um sentimento belo, carregado de memórias afetivas.
Hoje em dia, a tecnologia é um grande alívio para quem está longe. Graças a chamadas de vídeo e mensagens instantâneas, conseguimos amenizar a distância. Sinceramente, não consigo imaginar como foi para gerações anteriores imigrar sem esses recursos. Sem dúvida, era muito mais difícil.
Ir ou ficar?

Nenhuma escolha é fácil. A própria palavra já diz: ao escolher, algo que gostaríamos de manter fica para trás. Escolher ir é difícil - e, muitas vezes, escolher ficar também. Se vamos, pensamos no que teria acontecido se tivéssemos ficado; se ficamos, imaginamos como seria se tivéssemos ido. Ou seja, as escolhas não são fáceis, mas precisam ser feitas.
A vida de estrangeiro não é simples. Claro, aproveitamos onde estamos, vivemos, postamos fotos dos lugares que visitamos e buscamos ser felizes onde quer que estejamos. Mas, ao mesmo tempo, enfrentamos batalhas diárias: a saudade, a burocracia, os desafios da adaptação. Tudo isso é parte do pacote invisível que carregamos no dia a dia.
Por isso, nunca pense que o seu país é horrível e que viver fora é uma solução mágica. Nenhum lugar é perfeito - todos têm seus defeitos e qualidades. Precisamos ter consciência disso para fazer escolhas mais justas com a realidade e com nós mesmos.
Eu mesma já ouvi algumas vezes que fui muito corajosa por ter saído do meu país. E sinceramente? Também acho. Mas sei que essa coragem me permite hoje fazer mais por quem ficou - e isso é um grande acalento para o coração.
Para quem ficou e tem vontade de partir: reflita com profundidade, se organize com carinho, tenha foco e planeje bem cada passo.
Para finalizar
Deixo aqui um poema profundo de Flavia Regina de Jesus, imigrante brasileira marcada pela saudade. Suas palavras capturam com leveza e dor os sentimentos do “ser imigrante”:
"Solidão estrangeira"
Afundo como pedra em um mar de domingos
Rasgando minha solidão sob a chuva
Como uma imensa folha de papel de seda.
O que resta desse caldo
É uma misteriosa paz respingada de tristeza
Que eu aceito vencida e resignada.
Sentada no alto do muro dos quarenta
Sem satélites nem estrelas
Chupando livros e as folhas do jardim
Sustento a realidade da minha vida de estrangeira.
Ninguém chegará sem um convite
O telefone não tocará
Não haverá grandes festas familiares
Nem amigos familiares
Nem casamentos, nem batizados.
Tuas primas não vão passar para te pegar
Tuas poucas amigas estarão com as primas delas
fazendo coisas de primas.
Sais do teu país e logo te enterram com um lençol transparente
Ficas dormindo no pensamento de teus irmãos.
Aparece tua sombra nas conversas das tuas tias
Vives nos olhos da tua mãe, que ora por ti.
Teus velhos amigos te esquecem porque já não te veem
Às vezes, algum sente saudade do teu riso e te escreve uma mensagem
Nesse, ficou o abraço da tua juventude.
No Natal, tua família te ressuscita com chamadas
Teus seres queridos reaparecem mais velhos em telas
Por umas horas já não estás abismada de solidão
Deslizas entre as lembranças da tua cidade iluminada.

Texto escrito por Caroline Prado
Brasileira vivendo na Costa Rica, apaixonada por cachorros, plantas e fontes confiáveis. É internacionalista, tradutora e filóloga. Professora de Português como Língua Estrangeira (PLE) e História Contemporânea além de Filóloga especialista em Línguas Latinas.
Revisão por Eliane Gomes
Edição por João Guilherme
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