top of page
Análise nacionais e internacionais em um clique

“Nasceu ontem, morreu hoje”: as tendências da internet

Influenciadora digital reproduzindo a trend "Asoka Makeup"
Camila Pudim, influenciadora digital, reproduzindo a trend ‘Asoka Makeup’, que conta com mais de 620 milhões de visualizações no Tiktok (Tiktok/Divulgação)

Num passado não tão distante, blogs, fotologs e fóruns eram considerados espaços online de troca genuína. Fosse no Brasil ou mundo afora, quem escrevia sobre maquiagem, livros ou games não buscava monetizar esse conteúdo, mas compartilhar suas próprias experiências com um público totalmente desconhecido, que em pouco tempo se transformava em uma comunidade fiel de seguidores engajados.


Os anos passaram, as tecnologias evoluíram, e a internet cresceu no mesmo ritmo acelerado. Pode-se dizer que ela criou o terreno perfeito para uma evolução natural do comportamento social no meio digital, principalmente com a chegada de plataformas como YouTube, Facebook, Twitter e, mais tarde, o Instagram.


Contudo, os famigerados memes, dancinhas e challenges se tornaram ferramentas — ou melhor, tendências — poderosas na batalha pela visibilidade, ainda que apareçam e desapareçam em questão de dias. A influência deixou de ser uma forma espontânea de conexão para se transformar em moeda. Compartilhar a rotina ou dar dicas de produtos virou estratégia de marketing; a espontaneidade cedeu lugar à corrida por alcance, relevância e status digital - transformando-se, inclusive, em profissão. 


Cada conteúdo agora é cuidadosamente calculado para capturar a atenção do público, impulsionar o engajamento e, claro, garantir que criadores se mantenham no topo — de um feed online, ainda que isso signifique sacrificar (ou sequer construir) a própria autenticidade.


Do lado de cá, o maior desafio dos usuários é acompanhar o que está rolando dentro da internet. O que acontece no mundo inteiro conseguiu ser reduzido ao acesso em poucos toques em uma pequena e retangular tela de celular, causando bombardeio de informações a cada segundo, cada vez mais simplificadas ou contextualizadas.


Na era do TikTok, então? Tudo se acelerou. O formato de vídeos com menos de um minuto fala muito sobre o novo comportamento da humanidade dentro da era digital: um ritmo alucinante, onde o usuário médio se vê pressionado a consumir, reproduzir e performar constantemente - mesmo quando não entende exatamente o porquê. A lógica do "se não postar, não viveu" se mistura ao medo de ficar por fora, criando uma ansiedade silenciosa de estar sempre atualizado.


Manda quem pode, obedece quem quer viralizar


Por trás de cada tendência que viraliza existe uma engrenagem invisível decidindo o que merece atenção. Atualmente, as redes sociais majoritariamente não são sobre o que é mais criativo, verdadeiro ou necessário - é sobre o que retém cliques, arranca reações e mantém o usuário preso a ela.

O algoritmo não entende de contexto, cultura, muito menos de limites - mas é mestre em comportamento. E, feito uma máquina, se retroalimenta de horas olhando feed, com curtidas e compartilhamentos moldando o universo digital único e exclusivo do usuário. O resultado? Uma bolha personalizada onde você acredita estar fazendo escolhas e acompanhando as pessoas certas, quando, na verdade, está sendo guiado o tempo todo.


“As tendências, portanto, nascem não porque são geniais, mas porque o algoritmo decidiu impulsioná-las.”

Abrasileirando a crítica, o relatório “The Creator Revolution” aponta que existem cerca de 362 milhões de criadores de conteúdo nos 20 países analisados. Dentre eles, só no Brasil são aproximadamente 1 em cada 20 brasileiros que, independentemente do número de seguidores, produzem conteúdo original para redes sociais. Vale ressaltar que,  hoje, o Brasil possui uma população estimada de 212,6 milhões de pessoas¹. Mas quando o assunto é uso de celulares, segundo a 35ª Edição da Pesquisa do Uso da TI, conduzida pela FGV, o cenário cresce para 258 milhões de aparelhos em uso, sendo em média 1,2 celulares por cada habitante.


Pessoas até então desconhecidas explodem da noite para o dia, enquanto outros criadores tentam, mas seguem invisíveis. É como uma loteria onde poucos ganham, mas todos continuam jogando. E quando uma tendência perde força, o algoritmo já está alimentando outra.


Se desconectando da realidade


Capa do livro de Robin Sharma "O Clube das 5 da Manhã" - Controle suas Manhãs - Mude de Vida
Capa do livro "O Clube das 5 da Manhã" de Robin Sharma

5AM Club

Alguém em sã consciência gosta de levantar-se cedo? Aparentemente a resposta é sim para os membros do movimento que ganhou força após o livro homônimo de Robin Sharma, chamado “O Clube das 5 da Manhã”. Defendendo que acordar às cinco da manhã seria a chave para a produtividade, sucesso e vida plena, a ideia central do livro é que, enquanto o mundo dorme, os grandes líderes já estão dominando o dia.


Talvez o que o autor do livro não esperava é que, na realidade de muitas pessoas, acordar às cinco horas da manhã nem sempre é uma escolha - é uma necessidade. Muitas já têm rotinas exaustivas, turnos longos e pouco descanso. Ainda assim, são bombardeadas com conteúdo que sugerem que quem consegue acordar cedo, treinar, estudar e empreender antes do expediente comum é visto como alguém mais digno de admiração. Mas por trás disso está a velha lógica da performance disfarçada de motivação, onde descanso é pecado, e rotina intensa sem pausas é “o prêmio da guerra”.


Estética Clean Girl


A estética da Clean Girl parece simples à primeira vista: pele natural, penteado com gel, blush cremoso, argolas douradas e roupas com cores sóbrias e recortes minimalistas.

Hailey Bieber, mulher branca posando de perfil
Foto: Hailey Bieber (Instagram / Divulgação)

Embora se venda como “beleza natural”, o rosto mais comum associado à tendência é o de mulheres brancas, magras, de traços delicados e com poder aquisitivo elevado. É um padrão que reforça ideais eurocêntricos de beleza, onde pele sem manchas, sem acne, com glow na medida certa, não é um acaso - exige cuidados com a pele caros, procedimentos estéticos constantes, uma rotina disciplinada de exercícios e alimentação que poucos conseguem sustentar e, principalmente, um racismo velado de tendência estética.


A “Clean Girl” não se trata só de aparência, mas de uma performance de controle, estabilidade emocional e sucesso silencioso das mulheres - ainda mais das mulheres negras e pobres. É uma mulher que parece ter tudo sob controle, mas só porque tem tempo, dinheiro e um corpo que já se encaixa no padrão imposto socialmente. No fundo, o discurso do “menos é mais” vira desculpa para vender mais: mais produtos “clean”, mais organização, mais autocuidado como obrigação. E quem não se encaixa na imagem vendida, sente que está falhando em ser simples o suficiente.


No fim das contas…


O que se vende como “liberdade” virou manual de instruções. Essa lógica transforma até os momentos mais íntimos em conteúdo. Dormir bem? Se render engajamento. Ter uma pele “natural”? Apenas se incluir os produtos certos - e mais caros.


Tendência após tendência, bolha por bolha, moldando nossa percepção do que é sucesso, saúde, beleza, valor. No fundo, somos influenciados o tempo inteiro, até quando achamos que estamos no controle. A tal “influência” de hoje é uma corrida sem linha de chegada. Numa sociedade que já exige tanto, as redes adicionam mais uma camada: a de só parecer estar vivendo da melhor forma possível — sempre com filtros, com ritmo, com propósito… E nunca sendo o suficiente.


Se desconectar, portanto, pode parecer um ato radical, mas talvez seja só o primeiro passo para reconectar com o que realmente importa - que muitas vezes não precisa ser postado para, de fato, fazer sentido.


¹Fonte: IBGE

Texto escrito por Jeane Queiroz

É jornalista e pós-graduanda em Assessoria de Imprensa e Gestão da Comunicação. Orgulhosa "fã de carteirinha" de K-pop, fundou o coletivo Liga Comunarmy, que une fãs do grupo sul-coreano BTS focados em disseminar a perspectiva da luta de classes através do incentivo e análises das músicas da banda.



Revisão por Eliane Gomes

Edição por João Guilherme V.G.



Referências:









Comments


bottom of page