Na última semana assisti a uma entrevista em que a entrevistada respondeu a uma pergunta com:
"Não se fazem mais políticos como antigamente!"
De alguma forma, essa frase me atingiu e me fez refletir: Como seriam os políticos de antigamente com a política e a internet mudando todas regras do jogo político?

A cada período eleitoral, temos visto o crescimento de barbaridades sendo cometidas em campanhas políticas. Foram as fakes news lançadas na campanha de 2014, quando o então candidato à Presidência da República, Aécio Neves, questionou a veracidade das urnas eletrônicas.
Em 2018, fomos tomados por uma avalanche de mensagens no WhatsApp e demais mídias sociais, com mensagens sobre o perigo comunista (sic), o Brasil se tornar como a Venezuela (sic), entre diversas outras barbaridades, até chegarmos a socos e cadeiradas em 2024. E, em meio a esse tornado de situações, muitas vezes nos questionamos sobre onde vamos parar com isso tudo, então fica o questionamento: como chegamos até aqui?
Para responder a essa pergunta, é importante entender como a internet se tornou crucial para as campanhas políticas.
O ponto de partida
Em 2009, foi autorizado o uso das mídias sociais para a campanha política no Brasil de 2010. Até então, era possível apenas o uso de sites e blogs que falassem do então candidato à eleição. Essa autorização veio após a positiva campanha eleitoral no pleito americano de 2008, quando Barack Obama se tornou presidente. O slogan utilizado nas mídias sociais naquela época ficou conhecido como "Obama everywhere" e foi extremamente importante para a eleição do democrata.

A intenção do uso das mídias sociais em campanhas políticas seria para a expansão do debate político e atingir jovens que, naquela época, eram os que mais utilizavam. Embora autorizado, o uso das mídias sociais na campanha eleitoral não foi eficaz na corrida presidencial de 2010, mas ela já se fez presente.
O uso das mídias sociais na política no Brasil se tornou mais chamativo no movimento dos "0,20 centavos" em São Paulo em 2013. Naquela época, as mídias sociais eram usadas para organizar protestos em diversos espaços em São Paulo. Esse movimento foi encabeçado pelo Movimento Passe Livre, que lutava pelo transporte livre para estudantes na cidade de São Paulo.

O formato de organização desse movimento ajudou a desencadear diversos outros protestos, como o "Não vai ter copa", que se estendeu por diversas cidades, como Rio de Janeiro e Salvador. A partir de então, o uso das mídias sociais foi se tornando cada vez mais importante em movimentos e campanhas políticas.
O uso das mídias sociais foi se tornando cada vez mais acessível e cada vez mais inovador. Diversos exemplos e modelos começaram a surgir ao redor do mundo. Um desses exemplos foi o BREXIT, movimento responsável pela campanha da saída do Reino Unido da União Europeia, uma parceria que acontecia há mais de 40 anos e que foi em sua grande parte movimentada pelas mídias sociais, com divulgação de materiais, entre elas fake news.
Já do outro lado do oceano Atlântico, o uso das mídias sociais disseminou em larga escala milhares de fake news, que contribuíram para a eleição de Donald Trump em 2016.
Ambos eventos, o BREXIT na Europa e a eleição do Republicano Donald Trump para a Casa Branca, foram orquestrados pelas mídias sociais e suas falcatruas ficaram expostas no escândalo Cambridge Analytics, divulgado em 2018. Naquele momento, ficou exposto e pode-se ter uma ligeira noção do poder das mídias sociais e, a partir de então, as corridas eleitorais já não eram mais as mesmas há algum tempo.
Crescimento no Brasil
Na década de 2010, o Brasil foi tomado por um movimento de popularização e melhoria na oferta de internet. Isso possibilitou o acesso e a democratização das mídias sociais, chegando agora a outras faixas etárias que até então pouco utilizavam. Essa possibilidade foi identificada por diversos movimentos políticos que, a exemplo do que foi visto fora, começaram a se organizar.
Foi exatamente isso que aconteceu no surgimento do movimento bolsonarista por volta de 2018. A divulgação de soluções simples para problemas complexos e as falas polêmicas, tornaram Jair Bolsonaro um nome a ser especulado para uma corrida presidencial. No começo de 2018, já se afirmando como candidato, Jair Bolsonaro era considerado um candidato que jamais conseguiria alcançar um considerável número de eleitores e foi nesse momento que o formato de campanha política no Brasil mudou completamente.

A campanha política, antes pautada por um discurso formatado e generalista, vinculado pela TV e rádio, perdeu a sua importância. As mídias sociais se tornaram então o principal palco político do Brasil.
A nova política com velhos políticos
Bolsonaro, que era considerado carta fora do baralho, com míseros 8 segundos de tempo de TV, igualmente a seu "rival", Cabo Daciolo. Porém, ele seguiu corretamente a cartilha de outros outsiders, como Donald Trump e Boris Johnson. Partiu para as mídias sociais, espalhando desinformação em larga escala e quebrando todos os protocolos legais. Além disso, utilizou muito bem as possibilidades de contato e segmentação de discursos para públicos específicos, alcançando um crescimento estratosférico, que antes estava segmentado em uma bolha, impressionando a todos analistas políticos da época. Foi inaugurada a era do palanque digital.
De lá até os dias atuais, as mídias sociais se tornaram protagonistas na corrida eleitoral e a extrema direita é a principal utilizadora deste meio para crescer. A possibilidade de segmentação de discurso e a utilização do discurso fácil e direto tem ganhado a população, que tem apresentado cada vez mais decepção com a democracia, não enxergando o perigo iminente.
Eleições 2024
É dessa forma que chegamos às eleições municipais de 2024. Definitivamente a internet e as mídias sociais se tornaram atores fundamentais no desenrolar político ao longo de toda a campanha. É através de brechas na lei que candidatos têm conseguido cada vez mais burlar e utilizar de maneira injusta as formas de impacto via mídias sociais.
A utilização da TV para apresentação de propostas e debates, tem sido usada como precursor para criação de vídeos curtos para disparos em massa, muitas vezes em formas de pirâmides, monetizando o conteúdo e criando campanhas que não há possibilidade de serem rastreadas, o que é ilegal. Diferente de campanhas patrocinadas, onde há o pagamento e registro de valores, que devem ser prestado contas ao final da campanha.

Além disso, cortes de vídeos da TV e demais espaços, como palestras, comícios entre outros que surgem, têm sido utilizados e direcionados cada vez mais para bolhas específicas. Falas aparentemente grosseiras e inofensivas, se tornam chamariz para pequenos nichos.
Outra forma de propagação e divulgação de candidatos, são os próprios escândalos, que são usados com discurso de ódio e ode ao "sistema", onde há promessa de ser "antissistema".
O formato de se fazer política mudou. A ascensão da internet e a possibilidade de se falar diretamente para determinado público aumentaram o alcance de fala e de discursos. Porém, tenho que discordar da entrevistada do começo do texto, não acredito que os políticos mudaram, eles apenas conseguiram maiores holofotes e alcance com os seus reais ideais.
Texto escrito por Felipe Bonsanto
Formado em Administração de empresas, pós-graduação em marketing e apaixonado por Los Hermanos. É militante pelos direitos LGBTQIAP+, trabalha com educação há oito anos, atua como co-host no podcast O Historiante e é colunista do Zero Águia.
Revisão: Eliane Gomes
Edição: Felipe Bonsanto, Eliane Gomes e João Guilherme
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