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Raul Seixas, 80 anos: a semente da Sociedade Alternativa ainda germina

Atualizado: 5 de ago.

Imagem em preto e branco de Raul Seixas sendo filmado por um cinegrafista enquanto se apresenta.
Raul Seixas e cinegrafista. Foto: Claudinê Petrolli/Estadão

Em maio de 1973, durante o Phono 73 — festival de música promovido pela Phonogram, atual Universal Music, no Centro de Convenções do Anhembi —, Raul Seixas protagonizou uma de suas apresentações mais antológicas. Ele entoou em alto e bom som:


"É necessário gritar, gritar... pera aí!"

Soltou o microfone no chão, pegou um batom e desenhou em seu tórax o símbolo da Sociedade Alternativa. Em seguida, agachou-se, recuperou o microfone e continuou: "Está lançada aqui a semente, a semente de uma nova idade, da qual vocês todos são testemunhas..."


Anos depois, ao assistir essa apresentação pela primeira vez, perguntei-me qual era o verdadeiro significado daquela fala. Já conhecia algumas músicas do Raul e, como muita gente, estava habituado à eterna exclamação: "Toca Raul!" — mas nunca havia refletido sobre o que ele realmente queria comunicar com aquela performance carregada de símbolos.


Com o tempo, investigando mais sobre sua vida e obra, compreendi que aquela “nova idade” não se referia a uma data no calendário, mas sim a uma ideia — um despertar das consciências, uma ruptura com as normas impostas e uma busca radical por liberdade.


Esse conceito estava profundamente ligado à Sociedade Alternativa, movimento filosófico e cultural criado por Raul Seixas e o escritor Paulo Coelho, inspirado nos escritos do ocultista britânico Aleister Crowley. Mais do que um grupo, era uma proposta de vida: viver sem amarras, criar suas próprias leis, reinventar a própria existência. A máxima “Faz o que tu queres, há de ser tudo da Lei” resumia esse pensamento provocador, que desafiava as convenções religiosas, políticas e morais da época.


Naquele gesto performático, naquele grito aparentemente caótico, havia algo profundamente calculado e simbólico. Raul não queria apenas cantar. Ele queria provocar, instigar, plantar dúvidas. Abrir brechas nas certezas prontas, nos dogmas engessados, nas rotinas impostas. Ele sabia que a verdadeira revolução não começava nas ruas — mas dentro de cada indivíduo.


A Sociedade Alternativa propunha justamente isso: escapar das estruturas tradicionais de poder, fosse o Estado, a Igreja, a escola ou a família. Foi uma manifestação corajosa em pleno auge da ditadura militar. Não era apenas arte — era resistência. Em um país onde a censura proibia canções, prendia artistas e torturava corpos, Raul expôs o próprio corpo como manifesto.


O símbolo desenhado com batom no peito não era enfeite: era grito silencioso. E quem quisesse entender, entenderia. A Sociedade Alternativa, tornava-se, nesse contexto, uma utopia possível. Não por transformar o mundo de fora para dentro, mas por reconhecer que a mudança verdadeira começa de dentro para fora.


Essa pergunta ressoa ainda mais forte agora, em 2025 — ano em que, em 28 de junho, Raul Seixas teria completado 80 anos. Oito décadas desde o nascimento do homem que transformou contradição em poesia e rebeldia em filosofia cotidiana. Ainda assim, parece que ele nunca esteve tão presente.


O legado de Raul não está apenas nos discos, nas capas psicodélicas ou nas letras cheias de enigmas. Está, sobretudo, no pensamento que ajudou a semear — uma visão de mundo que ainda inspira os que não se conformam com respostas prontas. Raul plantou a Sociedade Alternativa não como um movimento a ser seguido, mas como um chamado a ser vivido.


Em um mundo sufocado por algoritmos, pressões sociais, conservadorismos renovados e crises de identidade, sua mensagem de autolibertação soa quase profética. Viver segundo a própria lei — no sentido de reconhecer e honrar aquilo que realmente importa para si — talvez seja hoje uma das maiores ousadias possíveis.


Celebrar os 80 anos de Raul Seixas, portanto, não é apenas relembrar um artista genial que rompeu padrões da música brasileira. É revisitar um pensamento libertário que ainda desafia, provoca e transforma. É perceber que a semente lançada em 1973 não apenas germinou — mas continua brotando em corações inquietos, mentes abertas, almas que ainda ousam sonhar com outro mundo possível.


Raul vive em cada pessoa que se recusa a dobrar-se ao cinismo. Em cada artista que não aceita ser domesticado. Em cada jovem que, mesmo sem saber de onde vem aquela ideia, sente que pode — e deve — criar seu próprio caminho. A Sociedade Alternativa continua viva, mesmo que invisível. Porque, como ele mesmo dizia, “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”.


Que seus 80 anos sejam menos uma comemoração nostálgica e mais uma convocação. Raul Seixas não é passado. Ele é presente. E, talvez mais importante, possibilidade de futuro.



texto escrito por Filipi Costa

Filipi Costa é jornalista formado pela Universidade Paulista e atua na área da comunicação há cinco anos. Possui formação técnica em Processos Fotográficos e é pós-graduado em Roteiro Audiovisual pelo Senac. Pesquisa temas sociais, culturais e ambientais por meio do jornalismo e da documentação audiovisual.


Revisão por Eliane Gomes

Edição por João Guilherme

Referências


Apresentação do Raul no Phono 73: https://www.youtube.com/watch?v=mfWDYaW_W-Q



Sobre o legado de Raul Seixas: https://www.youtube.com/watch?v=ptCOztTnjSc




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