Resiliência democrática à prova de choques
- Editorial Portal Águia
- 6 de mai.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 5 dias
Segundo o dicionário da língua espanhola, resiliência é a capacidade de adaptação de um ser vivo diante de um agente perturbador ou uma situação adversa (RAE, 2025). Essa definição posiciona o conceito mais próximo do contexto ambiental, enfatizando a habilidade de resistir antes de uma mudança. No entanto, quando a resiliência é transposta para o campo político e social, surgem tanto diferenças quanto semelhanças.

Quando aplicada à democracia, a resiliência refere-se à capacidade de enfrentar e sobreviver a desafios e crises. No entanto, isso não é simples, pois a democracia é um sistema complexo. Um exemplo dessa complexidade pode ser observado nas diferenças entre Nicarágua, Cuba e Venezuela, onde os governantes afirmam que seus regimes são democráticos. Entretanto, a realidade demonstra que as eleições nesses regimes autocráticos são usadas como um instrumento para eliminar qualquer tipo de oposição e justificar a perpetuação do poder, frequentemente por meio da figura de sucessores dentro da própria família. Esse tipo de governo tem como característica a permanência no poder, alcançada por meio da manipulação do processo eleitoral e, consequentemente, do próprio sistema democrático (BERTHIN, 2022).
Ao mesmo tempo, a democracia representa um ideal no qual a busca por aprimoramento impulsiona as pessoas a lutar pacificamente por esse objetivo. No entanto, em alguns contextos, essa busca não se concretiza, como nos exemplos mencionados anteriormente, onde esses regimes não são, por natureza, nem resilientes nem democráticos.
Sobre a definição de "democracia"
A palavra “democracia” tem origem no grego, derivando de “demos” (povo) e “kratos” (poder). Essa etimologia permite definir a democracia como “o poder do povo”, ou seja, um sistema de governo fundamentado na vontade popular.

Ao redor do mundo, existem diversos modelos de governo democrático, e muitas vezes é mais fácil compreender a partir do que ela não é. Democracia não é autocracia ou ditadura, em que o poder se concentra em uma única pessoa, nem oligarquia, onde um pequeno grupo governa.
Entendida corretamente, a democracia tampouco deve ser reduzida ao “governo da maioria”, caso isso implique ignorar os interesses das minorias. Em essência, a democracia é um sistema de governo em nome de todo o povo, guiado por sua vontade coletiva (CONSEJO, 2002).
Segundo o significado etimológico e a concepção dominante compartilhada de Kelsen, Bobbio, Schumpeter e Dahl, a democracia é um método para a tomada de decisões coletivas. Trata-se de um conjunto de regras que confere ao povo o poder de decidir, direta ou indiretamente, por meio de representantes (FERRAJOLI, 2003).
Se as decisões são coletivas, pode ocorrer que a regra da maioria nem sempre garanta os direitos humanos para todos. Quando não há mecanismos que assegurem esses direitos, a vontade da maioria pode resultar em decisões prejudiciais às minorias.
Portanto, em qualquer sistema democrático, é essencial proteger tanto os interesses das minorias quanto os das maiorias.
Os princípios dos direitos humanos devem ser fortalecidos por um aparato legal eficaz, garantindo sua aplicação independentemente da vontade da maioria (CONSEJO, 2002).
“Uma minoria pode estar certa, mas a maioria está sempre errada” (Henrique Ibsen)
Distinção entre estabilidade e resiliência
A estabilidade é um conceito frequentemente associado à democracia, pois refere-se à capacidade de um sistema político de se desenvolver sem crises ou mudanças significativas. Embora estabilidade e democracia possam parecer conceitos semelhantes, eles representam abordagens distintas.
Uma democracia é considerada estável quando suas eleições ocorrem regularmente e suas instituições continuam operando, mesmo diante de problemas internos não resolvidos. No entanto, essa estabilidade pode ser apenas superficial, já que, apesar da funcionalidade das estruturas formais, o sistema pode não estar preparado para reagir de forma eficaz a choques inesperados, como crises profundas.
São nesses momentos de crises que a resiliência democrática se torna visível, demonstrando a capacidade da democracia de enfrentar pressões autoritárias e preservar suas instituições. Um exemplo disso ocorreu tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, quando apoiadores de Donald Trump e Jair Bolsonaro, respectivamente, contestaram a legitimidade das eleições de 2021 (BRAVO, 2023).
O teste da resiliência democrática
Atualmente, a resiliência das democracias contemporâneas é constantemente desafiada por uma série de fenômenos interligados que testam sua capacidade de adaptação e preservação institucional. Entre os mais relevantes, destacam-se a polarização política e a radicalização ideológica, que fragilizam e comprometem o diálogo democrático.
Além disso, a desinformação, amplificada pelas redes sociais, abala a confiança nas instituições e no processo eleitoral. Observa-se também o avanço de tentativas de ruptura institucional, como ataques ao Judiciário, disseminação de fake news eleitorais e ameaças à ordem constitucional.
As democracias ainda enfrentam os impactos de diversas crises - econômicas, sociais e sanitárias - como foi evidenciado durante a pandemia de COVID-19, que acentuou desigualdades preexistentes. Por fim, os avanços tecnológicos, especialmente no campo da inteligência artificial, têm ampliado a vigilância digital e a manipulação de dados, introduzindo novos riscos à vida privada e pessoal, afetando a privacidade e a liberdade de expressão.
Esses fatores combinados representam choques significativos que exigem mais do que simples estabilidade. Eles demandam uma resposta real, adaptação e capacidade de recuperação por parte dos regimes democráticos.
Conclusão
Esse cenário se evidencia particularmente em diversos países latino-americanos, onde o fenômeno da captura institucional se intensifica. Nessas democracias formais, observa-se um processo gradual de afastamento da consolidação democrática e de aproximação com práticas autoritárias.
Embora as eleições e outras estruturas formais da democracia ainda persistam, os desafios para sua preservação e fortalecimento tornam-se cada vez mais urgentes (GONZÁLEZ & OLIVA, 2025). Isso demonstra que a resiliência democrática deve ser compreendida não apenas como resistência, mas como capacidade de regeneração diante de ameaças difusas e persistentes.
A resiliência, portanto, é fundamental para que um sistema democrático não seja derrotado por choques inesperados e multifacetados, nem veja seus pilares enfraquecidos.
Editorial do Portal Águia
Revisão por Eliane Gomes
Edição por João Guilherme
Fontes
Diccionario de la lengua española, 23.ª ed., [versión 23.8 en línea]. <https://dle.rae.es> [22/04/2025].
BERTHIN, G. Sobre la resiliencia democrática. Democratic Governance. 2022.
BRAVO, S. El efecto Capitolio llegó a Brasilia. Diagonales.com. 2023
FERRAJOLI, L. (2003). Sobre la definición de" democracia": Una discusión con Michelangelo Bovero. Isonomía, (19), 227-241.
STUMPF GONZÁLEZ, R., & SOUSA OLIVA, D. (2025). La democracia en América Latina hoy: ¿Resistencia, resiliencia o retroceso?. Interconectando Saberes, (Dossier2), iii-x. https://doi.org/10.25009/is.v0iDossier2.2957
CONSEJO de Europa. (2002). Manual para la Educación en los Derechos Humanos con jóvenes. https://www.coe.int/es/web/compass/democracy
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