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Emoção, razão e a arte de escrever

Façamos um experimento mental, digamos que você caro leitor, por algum motivo pessoal ou não acabou discutindo com alguém verbalmente. É possível que, na hora da discussão, ou após ela, você formulou argumentos que foi incapaz de proferir de forma articulada como sua imaginação o concebeu e isso talvez lhe cause uma grande frustração, comum em indivíduos bilíngues que apesar de conseguirem pensar claramente em ambas as línguas, nem sempre conseguem se expressar verbalmente na estrangeira.



Agora, façamos não um experimento mental, porém uma evocação da memória. É possível que em algum momento de sua vida você teve que transcrever a falar de algum professor em sala de aula para o seu caderno de anotações. Caso sim, se lembrará de colegas de sala gritando “Calma!” não por que o professor estava com raiva, mas sim pelo mesmo estar falando rápido demais.


Agora você deve estar se perguntando: Mas é o que isso tem a ver com emoção, razão e a arte de escrever"?


Pois tem a ver com a percepção de que, pensar é menos limitado que falar, e falar é menos limitado que escrever. E não me entenda errado quando digo “limitado”, neste caso estou apenas me referindo a quantidade de esforço envolvido em cada uma dessas ações e não seu potencial e poder.


Quando escrevemos em papel temos que nos esforçar mais para expressar o que realmente queremos dizer, por uma pura questão fisiológica e mecânica. Você tem que colocar cada pequena letra no papel para conseguir formar a palavra, frase ou texto que planejava colocar lá. Isso com certeza lhe parece óbvio, mas então fica a pergunta: por que tanta gente usa algo tão “limitado” como ferramenta para higiene mental?


Uma breve história da escrita e sua função


Considerando que a linguagem escrita existe há aproximadamente 5500 anos e possui importância imensurável no desenvolvimento humano, vamos tentar entender como e por que ela é tão eficiente quando o assunto é transformar sentimentos em pensamentos.


Ao observarmos que pela “invenção” (talvez o termo mais correto seja evolução) da linguagem, conseguimos agora codificar uma quantidade imensa de informação através do som, sejam elas informações reais sobre o mundo ou conjecturas da própria mente, ganhamos uma ferramenta incompreensivelmente poderosa para nós humanos, com apenas alguns problemas. Sons se perdem ao vento e se você quer manter uma informação ou ideia por perto, talvez apenas a memória humana e a capacidade de comunicar-se através da fala não sejam o suficiente. Por isso – e por uma série de motivos bem mais complicados, porém relevados para maior entendimento do leitor – decidimos criar a escrita.

Começamos utilizando tabulas de argila, óstraco, inventamos o papiro e finalmente chegamos a maquinas de escrever – e hoje em dia nem sequer utilizamos papel para escrever, mas sim bits e fótons – com basicamente o mesmo objetivo: Codificar informação de forma externa a mente humana.


A palavra codificar que é a chave nesta história, pois a escrita surge como forma de criptografar a linguagem verbal com a utilização de um conjunto de símbolos finitos, as letras, que podem ser arranjadas de formas praticamente infinitas, formando as palavras que novamente podem ser arranjadas de formas praticamente infinitas também.


Dessa forma partindo de um conjunto finito de letras, e seguindo um outro conjunto de regras gramaticais, pode-se dizer que todo e qualquer pensamento e sentimento humano poderia ser codificado – mesmo que de forma não perfeita - pela escrita, ou seja, podemos transformar aquilo que sentimos e pensamos em algo lógico.


As vantagens de ser “limitado”


Agora que está claro como escrever é provavelmente a segunda mais poderosa ferramenta que inventamos, perdendo apenas para a linguagem em si, vamos entender por que então a escrita em papel seja a melhor nessa conversão de algo emotivo para algo lógico.



Relembrando como a escrita encapsula ideias e sentidos em símbolos, pense um pouco no ato em si de escrever. Você vai ter em mãos essencialmente algum tipo de marcador, seja uma caneta, um lápis ou uma pena se você curtir muito Harry Potter. Diante de um pedaço de papel você vai desenhar os símbolos que você precisa para encapsular seja lá o que estiver passando entre seus bilhões de neurônios. Você rapidamente se faz uma série de perguntas, dentre elas:

  1. O que eu estou pensando/sentindo?

  2. Qual a melhor combinação de palavras e frases para descrever este sentimento/pensamento?

E a parte mais fascinante e difícil de acreditar disso tudo é: você acha uma resposta, e antes de você sequer perceber, aquilo que impregnava sua cabeça ou pesava seu coração começa a fazer sentido. Talvez não deixe imediatamente de te incomodar ou doer, porém agora tem um nome, agora você consegue lidar com aquilo de forma mais direta, quem sabe você consiga entender o que causou tal ideia, qual a raiz do sentimento que clamou por ser escrito e até quem sabe define o que fazer em relação a esta resposta.


Como começar e continuar escrevendo


Agora que compreendemos o poder da escrita na tradução de emoções em palavras, é possível que o leitor tenha o desejo de praticar tal habito, porém, sem saber por onde começar e como ter certeza que continuará fazendo, isso pode se tornar um desafio. Então aqui vão algumas dicas simples para aumentar suas chances de aderir este hábito simples, porém extremamente poderoso.

  • Um caderno e uma caneta são o suficiente, porém, aquele caderno e aquela caneta são atraentes. A ideia aqui é: Não se limite pela qualidade do material que você pretende utilizar, mas tenha noção que ferramentas que você tenha mais facilidade ou preferência de utilizar tornam o hábito mais atrativo. Então se você não faz questão do caderno ideal e da caneta perfeita vá em frente e se você prefere um caderno com a capa do Harry Potter e uma pena para sentir mais conforto ao praticar o hábito sem problemas também.

  • Torne óbvio. Tornar óbvio é fazer questão que você irá lembrar de executar o hábito diariamente, ou seja, deixar o diário e canetas na sua escrivaninha ou mesa que mais utiliza é necessário para facilitar a decisão de escrever.

  • Tornar simples. Como estamos começando, a falta de cobrança ajuda a tornar uma tarefa nova – portanto possivelmente desconfortante – em algo pequeno e rapidamente executável. Duas sentenças por dia é o suficiente, se quiser escrever mais sinta-se livre, porém se quiser parar por aí o habito está cumprido.

  • Torne intuitivo. Quanto menos barreiras você tiver para iniciar a escrita melhor, portanto programe o hábito para que ele ocorra em um momento lógico do seu dia. Pode ser logo antes de ir para cama, depois que você chegou do trabalho ou até enquanto você espera a agua do café esquentar ou a roupa bater na máquina, usando os hábitos que você já possui como gatilhos ou plataformas de execução de um novo habito é uma ótima estratégia para se ganhar consistência.

  • Torne prazeroso. O ser humano, assim como todos os animais vive fugindo da dor e em busca do prazer, e assim como outros animais associamos comportamentos a recompensas. Então faça questão de se recompensar de alguma forma, tanto durante a escrita quanto depois. Se música não atrapalha a sua escrita, ouça-a, se café é sua bebida favorita, beba durante e pós o habito, se você está louco para comer um docinho ou ver o novo episódio da sua série favorita, escreva rapidamente e então vá atrás desse prazer que as chances de aderência deste novo habito irão aumentar consideravelmente.


O motivo real de se ter um diário


Poder descrever o que você sente em palavras é sem dúvidas motivo suficiente para você caro leitor iniciar o seu diário, porém com os poucos anos que tive escrevendo em um posso dizer que a melhor parte de se ter um desses objetos mágicos é a compreensão que se passa a ter de si mesmo.


Dia após dia, escrever algumas linhas em uma folha de papel se torna algo além de um hábito, passando a ser um refúgio, alguns dias sem e é quase que possível sentir o peso de seus próprios pensamentos em sua cabeça e a inquietude das emoções em seu peito.


Com isso algo começa a se tornar perceptível, conforme se passa o tempo e a experiência com tal prática é acumulada, que tudo o que você está fazendo é conversando consigo mesmo de uma forma eficiente, prática e direta.


Mesmo que você escreva sobre acontecimentos externos você os descreve sobre a sua perspectiva, mesmo que você comente sobre um momento pequeno e diminuto do seu dia, você escolheu falar daquele momento, e então você começa a entender que a caneta e a folha de papel são quase que o espelho e o reflexo da sua imagem. E você entende que o motivo real para se ter um diário é se conhecer.



Texto escrito por Heictor Bellato

Graduando em Zootecnia, apaixonado por Ciência e Filosofia. Também acredita que são as pessoas que podem trazer as soluções para os problemas do mundo.

 

Fontes


https://www.ufmg.br/espacodoconhecimento/historia-escrita/#:~:text=Uma%20escrita%20sistematizada%20aparece%20somente,surgem%20os%20hier%C3%B3glifos%20no%20Egito.



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