top of page
Foto do escritorEliézer Fernandes

A Turquia e o autoritarismo de Erdogan

Atualizado: 1 de set. de 2022

Como que um dos poucos países de tradição islâmica que não é considerado um estado religioso é hoje governado de forma autoritária? Em 2014, se inicia o governo de Recep Tayyip Erdogan, o atual presidente, que controla com mão de ferro a Turquia, prendendo não só opositores como praticamente qualquer pessoa que discorde de seu governo.

Recep Tayyip Erdogan, político turco que desde 2014 governa a Turquia, conhecido pelo seu autoritarismo e por prender opositores.

Nesta segunda (25), um tribunal turco condenou o ativista e filantropo Osman Kavala à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional por acusações altamente controversas de tentar derrubar o governo.


Os veredictos decorrem de alegações de que Kavala financiou uma onda de protestos contra o governo no parque de Gezi em 2013 e desempenhou um papel na tentativa de golpe militar de 2016 no país.


“Estas são teorias da conspiração elaboradas por motivos políticos e ideológicos”, disse Kavala ao tribunal momentos antes da sentença. O caso agora vai para o tribunal de apelações e pode seguir para o Supremo Tribunal Federal.


O "golpe de estado" de 2016


O chamado "golpe de 2016" ocorreu na Turquia contra instituições estatais, incluindo o governo do presidente Erdogan. A tentativa foi realizada por uma facção dentro das Forças Armadas turcas que se denominavam como o Conselho de Paz em Casa. Eles tentaram tomar o controle de vários lugares em Ancara, Istambul, Marmaris e em outras regiões, como a entrada asiática da Ponte do Bósforo, mas não conseguiram fazê-lo depois que as forças leais ao estado os derrotaram. O Conselho citou como motivos a erosão do secularismo, a eliminação do regime democrático, o desrespeito pelos direitos humanos e a perda de credibilidade da Turquia na arena internacional como razões para o golpe.

Fethullah Gülen é fundador e líder espiritual de um movimento que foca principalmente na educação, é uma das pessoas mais influentes da Turquia e já foi aliado de Erdogan.

O governo disse que os líderes do golpe estavam ligados ao movimento Gülen, que é designado como uma organização terrorista pela República da Turquia e é liderado por Fethullah Gülen , um Empresário turco e estudioso que mora na Pensilvânia (EUA). O governo turco alegou que Gülen estava por trás do golpe (o que Gülen negou) e que os Estados Unidos o estavam abrigando. Os eventos que cercam a tentativa de golpe e os expurgos que se seguiram refletem uma complexa luta pelo poder entre as elites na Turquia.

”Evidentemente, houve uma tentativa de golpe”, analisa o coordenador do NEOM (Núcleo de Estudos do Oriente Médio) da UFF (Universidade Federal Fluminense), Paulo Hilu. No entanto, segundo o especialista, não é possível afirmar categoricamente se o levante foi forjado ou não. — É uma troca de acusações. O Erdogan desde o início acusou o Gülen. A questão é que, obviamente, o fracasso do golpe beneficia o Erdogan, porque dá a oportunidade para ele se livrar de focos de descontentamento com seu governo, tanto dentro do exército quanto do judiciário.

Durante a tentativa de golpe, mais de 300 pessoas foram mortas e mais de duas mil ficaram feridas. Muitos edifícios governamentais, incluindo o Parlamento turco e o Palácio Presidencial , foram bombardeados do ar. Seguiram-se prisões em massa , com pelo menos 40.000 detidos, incluindo pelo menos 10.000 soldados e, por razões que permanecem obscuras, 2.745 juízes. 15.000 funcionários da educação também foram suspensos e as licenças de 21.000 professores que trabalhavam em instituições privadas foram revogadas depois que o governo declarou que eles era leais a Gülen. Mais de 77.000 pessoas foram presas e mais de 160.000 demitidas de seus empregos, em relatos de conexões com Gülen.


Os números de prisões e a atitude do governo de Erdogan durante essa época e até hoje corroboram a visão de que hoje o governo turco é autoritário, reprimindo qualquer voz que pareça destoante do que as autoridades falam sobre conduzir o país.


O governo presidencial centralizado da Turquia recuou décadas em seu histórico de direitos humanos, disse a Human Rights Watch (HRW) em sua revisão anual dos direitos humanos, informou o Stockholm Center for Freedom. De acordo com o relatório o governo de Erdogan continuou a visar os críticos e opositores políticos do governo, minando profundamente a independência do poder judiciário e esvaziando as instituições democráticas.


O relatório da HRW criticou a prisão contínua do filantropo e empresário Osman Kavala, apontando que sua detenção por supostamente dirigir e financiar os protestos do Parque Gezi de 2013 e por suposto envolvimento no golpe fracassado em julho de 2016 é na verdade uma justificativa em busca de um “motivo oculto”, o de silenciá-lo como defensor dos direitos humanos.


Quem é Osman Kavala?


Nascido em 1957 na cidade de Paris, Kavala estudou Economia na Universidade de Manchester, no Reino Unido, antes de tomar as rédeas dos negócios da família na Turquia quando o pai faleceu, em 1982. Célebre por apoiar projetos culturais relacionados aos direitos de minorias, como a questão curda e a reconciliação armeno-turca, ele se dedicou progressivamente à publicação de livros, à arte e à cultura.

Osman Kavala é um empresário, ativista e filantropo turco que apoiou inúmeras organizações da sociedade civil na Turquia desde o início dos anos 1990.

Em 18 de outubro de 2017, Osman Kavala foi detido no Aeroporto Atatürk de Istambul após sua visita a Gaziantep para um projeto conjunto com o Instituto Goethe. Em 25 de outubro de 2017, o jornal Daily Sabah, próximo ao governo Erdoğan, acusou-o de ser um "magnata dos negócios com antecedentes obscuros" e ter contatos com o "Grupo Terrorista de Gülen".


Esta foi a primeira vez que Kavala foi detido pelo governo turco, mas não a última. O empresário foi preso pelo menos 4 vezes nos últimos anos, até sua condenação nesta semana, que foi recebida pela mídia internacional como um ataque aos direitos humanos na Turquia e uma ação autoritária do presidente Erdogan.


Os Estados Unidos disseram estar “profundamente preocupados e desapontados” com a condenação e sentença de Kavala e pediram sua libertação. “O povo da Turquia merece exercer seus direitos humanos e liberdades fundamentais sem medo de represálias”, disse Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, em comunicado. “O direito de exercer a liberdade de expressão, reunião pacífica e associação está consagrado na constituição da Turquia e suas obrigações de direito internacional e compromissos da OSCE (Organização para Segurança e Cooperação na Europa). Instamos o governo a cessar os processos por motivos políticos e a respeitar os direitos e liberdades de todos os cidadãos turcos”.


O Tribunal Europeu de Direitos Humanos havia ordenado sua libertação imediata em um veredicto emitido ainda em dezembro de 2019, determinando que seus direitos foram violados pelo Estado turco.


Kavala disse que os comícios contra o governo, amplamente chamados de protestos de Gezi, foram protegidos pela liberdade de expressão. Os protestos começaram em 2013 como uma pequena manifestação contra a demolição de um parque de Istambul e se transformaram em distúrbios antigovernamentais em todo o país, nos quais oito manifestantes e dois policiais foram mortos.


O tribunal europeu também disse que os promotores não têm provas de que Kavala tenha desempenhado um papel na tentativa de golpe de 2016, que foi realizada por uma facção das forças armadas turcas e levou à morte de 241 pessoas.


O órgão de fiscalização dos direitos humanos do Conselho da Europa, o Comitê de Ministros, disse em fevereiro que o caso será remetido ao mais alto tribunal europeu. Tanto o Tribunal Europeu de Direitos Humanos quanto o comitê funcionam sob o Conselho da Europa, uma organização internacional focada em direitos da qual a Turquia é membro fundador.


Erdogan diz que Kavala é um agente do esquerdista do bilionário e filantropo americano nascido na Hungria George Soros, que investiu bilhões de seu próprio dinheiro para bancar projetos de defesa dos direitos humanos e iniciativas de promoção de valores democráticos liberais ao redor do mundo.


Conclui-se que Erdogan hoje não se importa mais com a forma como o regime é visto pelo resto do mundo, deixando cada vez mais claro que a Turquia se encaminha para virar uma ditadura, no modelo da Rússia e outras nações com governos autoritários, no que talvez seja seja lembrado no futuro como uma das épocas sombrias do país que liga a Europa ao Oriente Médio.

 

Fontes:






Comments


bottom of page