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Os levantes na África e o anti-colonialismo


Temos vistos nos últimos dias diversas notícias sobre levantes nos países africanos, em especial no Níger e no Burkina Faso, e essas tomadas de poder terão consequências que vão se desdobrar por um bom tempo, pois envolvem as maiores potências do planeta e um sentimento de anti-colonialismo que tem crescido bastante nos últimos tempos no continente africano.


Cartaz soviético: “Nações coloniais oprimidas se levantarão contra o imperialismo sob a bandeira da Revolução Proletária.”
Cartaz soviético: “Nações coloniais oprimidas se levantarão contra o imperialismo sob a bandeira da Revolução Proletária.”

Se você não está acompanhando o que está acontecendo no Níger e nos outros países da região do Sahel, fique tranquilo(a), porque nesse artigo iremos explicar esses eventos, que abalaram todo o sistema internacional, inclusive provocando reações em algumas das nações mais poderosas do mundo.


Níger


A área em laranja abrange o território do Sahel (Mapa: stepmap.de)
A área em laranja abrange o território do Sahel (Mapa: stepmap.de)

Para quem não conhece o Níger, é um país que fica na África subsaariana, no coração da África. O Níger está situado na região do Sahel, uma faixa de terra semi árida que se estende do Senegal ao Sudão, considerada uma zona de transição entre o deserto do Saara e a savana africana.


É uma posição muito estratégica, pois o país faz fronteira com sete países, alguns dos quais enfrentam conflitos armados, como a Líbia, o Mali e a Nigéria. Por isso, o Níger é visto como um país-chave para a estabilidade e a segurança da região. Além disso, o Níger possui grandes reservas de urânio, um mineral usado para produzir energia nuclear e armas nucleares, sendo este país africano o quarto maior produtor de urânio do mundo, e fornecendo cerca de 5% da demanda global. A França é o principal comprador do urânio nigerino, mas outros países, como a China, também têm interesse nesse recurso.


No final de julho houve um golpe de estado e uma junta militar tomou o poder do país e depôs Mohamed Bazoum, levante este que teve amplo apoio popular, com manifestações inclusive em frente à embaixada da França, mostrando um claro descontentamento com o país europeu.


Manifestante segurando placa da embaixada francesa em Niger
Manifestante segurando placa da embaixada francesa em Níger

A democracia do Níger era completamente controlada pela França e por países ocidentais, existem inclusive bases militares estadunidenses dentro do Níger, sendo que a justificativa oficial é ajudar o governo do Níger a combater a Al-Qaeda. Porém se os EUA quisessem realmente só prevenir ataques jihadistas teriam fornecido apoio financeiro ao exército nigerino. Porém, o real objetivo é manter uma força militar num dos países mais estratégicos do centro da África, como já explicado anteriormente. Assim o golpe foi visto por uma boa parte da população como uma libertação da influência ocidental.


A instabilidade política nas ex-colônias francesas da África Ocidental tem causado uma onda de golpes militares. Desde 2020, os sentimentos anti franceses parecem ter desencadeado ou pelo menos contribuído para provocar golpes em Burkina Faso, Guiné, Mali e, agora, no Níger.


Pacto Colonial Francês


A União Francesa (em francês Union Française) foi uma instituição criada no âmbito dos resultados da Conferência de Brazzaville em 1944 e da fundação da Quarta República Francesa em 1946 para substituir o Império colonial francês, instituição que gerou muita revolta e guerras nas colônias francesas, pois não apenas negava a independência dos países, mas também seu auto-governo.


Capa revista TIME
Capa revista TIME

A França continuou mantendo seu domínio nos países da África pelo Pacto Colonial (União Francesa). Esse pacto tinha como objetivo inicial reconhecer a soberania dos países africanos mas permitia que a França realizasse uma intervenção militar nesses países caso fossem atacados por estrangeiros.


O único país que se opôs ao pacto colonial foi a Guiné, decisão que enfureceu os franceses. Houve uma grande retaliação da França por causa dessa decisão, onde medicamentos e suprimentos foram queimados, porém o presidente na época, Sékou Touré, manteve a posição firme. Por causa dessa atitude, o presidente saiu na revista Time de 1959, com um slogan que ficou muito famoso:




A Guiné prefere pobreza na liberdade, do que riqueza na escravidão.”


Sobre os compromissos do pacto, diz que os países francófonos devem ter uma moeda comum (hoje chamada de CFA) e 65% de sua renda nacional todos os anos deve ser depositada no Banco da França. 20% do rendimento nacional, referido como passivo financeiro, também deve ser depositado no Banco da França. Sendo assim, 85% de tudo que os países francófonos produzem de receita é mantido na França. Também estabelece que todos os empréstimos que estes países solicitam devem priorizar o Banco da França.


A França também tem a primeira opção de compra de qualquer recurso mineral encontrado nestes países. Também é permitido que empresas francesas iniciem a mineração destes recursos naturais na África Ocidental. Caso não demonstrem interesse, os países podem procurar outros contratantes, porém através de empresas francesas.


Essas medidas tem enfurecido a população dos países francófonos, e os recentes levantes do Mali, Burkina Faso e Níger tem preocupado a França, pois podem perder todas estas regalias que foram impostas sobre os países africanos, o que na prática é uma extensão do império colonial francês nos dias atuais.


CEDEAO e a tensão na África Ocidental


Em 10 de agosto de 2023 a Organização para Cooperação econômica da África Ocidental, ou Comunauté Économique des États de l’Afrique de l’Ouest (CEDEAO), composta por 11 países que hoje são apoiados por governos ocidentais, concordou em lançar uma intervenção militar no Níger com o objetivo de depor à força a junta militar que deu um golpe no governo democraticamente eleito do país.


Reunião da CEDEAO em Acra é a segunda desde o golpe de Estado no Níger
Reunião da CEDEAO em Acra é a segunda desde o golpe de Estado no Níger

A CEDEAO, com apoio da França e dos EUA, está mobilizando tropas para invadir o Níger, com intuito de restabelecer a “democracia” e na prática a submissão à França e às potências ocidentais. Do outro lado, o levante popular no Níger já comunicou que não irá ceder à pressão e que irá resistir, não aceitando entregar o controle do país, inclusive já fechando o espaço aéreo para aeronaves estrangeiras.


Os vizinhos do Níger, Mali e Burkina Faso comunicaram que irão se mobilizar para defender a soberania territorial do Níger, num cenário de possível conflito que poderá envolver não somente estes países do continente africano como também as potências ocidentais e a Rússia.


Apoio da Rússia e perdão de dívida


O governo russo cancelou mais de US$20 bilhões em dívidas históricas de nações africanas, disse o presidente Vladimir Putin no dia 28 de Julho, falando em uma sessão plenária do fórum Rússia-África em São Petersburgo.


“O valor total da dívida dos países africanos anulados pela Rússia chega a US$23 bilhões, com outros US$90 milhões a serem alocados para os mesmos fins”

Afirmou Putin, referindo-se aos laços comerciais e financeiros históricos entre Moscou e a África.


Avaliando o momento político e econômico da África, de um lado temos os países ocidentais, que usam da “democracia” para ter o domínio sobre os países africanos. Os países ocidentais, que exploraram durante séculos aquele território e que não estão dispostos a fazer nenhum tipo de investimento no país, a menos que aquilo os beneficie diretamente. E do outro lado, temos um país que perdoa dívidas bilionárias, investindo diretamente na economia do país e que é um aliado histórico da África, que é a Rússia.


Não há muitas dúvidas de que essas movimentações irão afetar a economia e geopolítica globais.


Conclusão


É possível entender, com todas estas informações, que os povos africanos só estão buscando sua auto determinação, procurando se libertar das amarras coloniais e imperialistas que há séculos acorrentam o continente. Porém, a grande mídia sempre irá relativizar tudo que se refere à levantes populares, principalmente no continente africano. Por isso, se informe de maneira independente, busque diversas fontes de informação, principalmente do país afetado, e nunca tire conclusões seguindo a narrativa ocidental, quando se fala de um país do sul global.


Texto escrito por Eliézer Fernandes

Fundador e editor-chefe do Zero Águia, é desenvolvedor de software, formado em Segurança da Informação pela FATEC e fascinado por história e relações internacionais.



Revisão por Eliane Gomes

Edição por Felipe Bonsanto

 

Fontes






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