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Pelo direito de cultivar a mente e os afetos: A cultura como arroz e feijão


Atualmente é cada vez mais difícil refletir sobre o funcionamento do mundo e os dilemas da vida. A rotina massacra a capacidade de contemplação, sem contar os diversos problemas sociais diários. Mas tem uma coisa que nos mantém atentos à possibilidade de imaginação e criação de um novo mundo.



Após o fim da 2ª Guerra Mundial, a ONU (Organização das Nações Unidas) e seus países-membros decidiram criar princípios para prevenir que novas atrocidades contra a humanidade fossem cometidas. Nasce então, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Foi neste contexto que a Cultura foi considerada um direito universal, sendo indispensável à dignidade e ao livre desenvolvimento da personalidade.




No Artigo 27° da DUDH, consta:

  1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.

  2. Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria.






A etimologia da palavra “Cultura” traz pluralidade de sentidos. Do latim “culturae”, que significa “ação de tratar”, “cultivar” ou “cultivar a mente e os conhecimentos”. O antropólogo Edward Tylor sugeriu um conceito de cultura como:


Complexo que inclui conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade. (LARAIA, apud ZUIM, 1986, p.9)

Esta definição, porém, vem sendo aperfeiçoada e enriquecida pelo tempo, sendo que a Cultura é analisada sob áreas diversas da filosofia, da antropologia, das ciências sociais e até mesmo das Relações Internacionais, como o uso da Cultura no soft power.


Em 2003, na Assembleia Geral da ONU, o então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, protagonizou um fato histórico. Gil cantou a canção “Toda Menina Baiana”, do disco “Realce”, de 1979, com Kofi Annan (Secretário Geral da ONU na época) no atabaque, animando os presentes no que ficou conhecido como “Show da Paz”.



Em entrevista para Reuters, em 2003 - em Paraty/RJ, Gil diz:


“É preciso acabar com essa história de achar que a cultura é uma coisa extraordinária. Cultura é ordinária!” [...] "Cultura é igual a feijão com arroz, é necessidade básica, tem que estar na mesa, tem que estar na cesta básica de todo mundo.”

E continua,


“A responsabilidade com a Cultura é a responsabilidade com a sua própria vida, porque tudo é cultura.”


Você (talvez) já ouviu esta frase antes, trocando a palavra “cultura” por “política”. A Cultura como direito universal ganha novos contornos nas Relações Internacionais por todo o período subsequente à DUDH (1948), com a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, publicado pela Unesco em 2002. Um dos artigos versa sobre uma importante relação entre Direito Cultural e Direitos Humanos. Artigo 4:


“[…] ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance.”

No Brasil, a cultura foi alçada ao patamar de Direito fundamental com a Constituição Federal de 1988, com o artigo 215:


“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

A área da Cultura é transversal, impactando em todas as áreas da vida. A 4ª Conferência Nacional de Cultura definirá as políticas públicas da área para os próximos anos, em temas como: Institucionalização, Marcos Legais e Sistema Nacional de Cultura; Democratização do Acesso à Cultura e Participação Social; Identidade, Patrimônio e Memória; Diversidade Cultural e Transversalidade de Gênero, Raça e Acessibilidade na Política Cultural; Economia Criativa, Trabalho, Renda e Sustentabilidade; Eixo 6: Direito às Artes e Linguagens Digitais.


Garantir o direito à Cultura aos povos é fundamental para prover dignidade às pessoas. A união dos esforços de órgãos internacionais (ONU, UNESCO) e os representantes e fazedores de Cultura dos países é condição primordial para a garantia de um Direito básico e universal, que tem poder de transformar mentes ao redor do mundo.



Texto escrito por Josué Kenji formado em Relações Internacionais, produtor cultural e pós-graduando em gestão Cultural, desenvolvimento e mercado. É co-organizador do "Festival da Criatividade Cria Bauru 2020" desde 2020, criador da "Comunidade Criativa Cria Bauru", articulador criativo da "Rede Bauru: Cidade Criativa Unesco", está membro do "Conselho de Ciência, Tecnologia e Inovação (2022-2024)" na cadeira de Sociedade Civil e atualmente é colunista do Portal Águia.



Revisão: Eliane Gomes

Edição: Felipe Bonsanto

 

REFERÊNCIAS:


 

 

 

 

 

 

Zuin, Lidia: Teorias da cultura / Lidia Zuin. – São Paulo: Editora Senac

São Paulo, 2018. (Série Universitária)

 

 

 


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